29.10.06

Naufrágios e resgates

Veja, um domingo chuvoso e arrisco ligar a televisão para me deparar com O Náufrago, uma overdose de Tom Hanks, mas, como acontece com qualquer náufrago, não existe opção. O tema me atrai de tal forma que consigo abstrair o ator e a dublagem ruim. A abordagem de Robert Zemeckis consegue tratar do assundo melhor que Randal Kleiser no açucarado A Lagoa Azul. O detalhe da imitação de deus na criação do amigo imaginário apartir de uma bola de barquete e sangue é mais eficiente que o racismo em Robinson Crusoé ( mas o casal de A Lagoa azul resolve ficar), que busca sempre coisificar Sexta-feira, assim como Calibã por Próspero, mas nesse último caso a relação é entre alienígena e indígena. Em Robinsson Crusoé ambos são náufragos.
Gosto do mar, esse íntimo desconhecido e sinto muitas vezes que ele nos fala de nossa solidão, nos parece dizer o tempo todo, como de alguma forma fez Gil uma vez , ninguém nos acompanha no nosso caminho inevitável para a morte. Nossa auto-consciência nos torna solitários.
Ninguém é mais que uma ilha. E isso pode ser observado sempre em qualquer obra sobre naufrágio onde, durante o resgate, o náufrago sempre lança um último olhar para o lugar que foi aparentemente uma prisão, onde não havia a opção da liberdade mas constituiu nele uma idéia clara de seu significado.
Passei uma vez por experiência parecida. Um isolamento forçado no meio da mata amazônica. Obviamente a água é um isolador irremediável, em ambos os casos contamos com um resgate mas no mato estamos mais incentivados a buscar uma saída com nossos próprios recursos, o continente nos possibolita lançarmo-nos ao mundo. O continente nos propõe pertencimento. A ilha é um sistema frágil. Nas mitologias de ilhéus há sempre a promessa de um dia retornar ao continente, à terra sem males, ao Paraíso Perdido, etc. Como continetais nos entendemos inconclusos e buscamos a vida que nos compõe continuamente. Estar ilhado nos isenta do pertencimento, sem o outro pra nos dizer o que somos, o que somos? E acredito ser isso algo importante de ser experimentado. Mesmo retornando ao que nos acostumamos, ao discurso implantado do ser social haverá aquele olhar lançado ao lugar de coisas insuspeitadas.
Me lembro agora da cena de O Piano onde a personagem se lança ao mar ancorada ao seu instrumento de comunicação. As nossas insondáveis verdades abissais sempre nos chamam, como sereias, com um canto muito mais potente que qulquer discurso salvador que o outro propõe. Findo o fime saio para exercer meu direito ao voto obrigatório.

5 comentários:

Anônimo disse...

Filme ótimo... faz pensar muito e no fim nasce um texto desse, que fala de tudo um pouco. Gostei muito. Gosto do Piano, gosto do náufargo de Hanks, muito... e o voto... ei, nem falo disso. Hehe.

Abraços.

Anônimo disse...

UAU!!!!! Essa proesia (rs) tem imagens perfeitas!!! Será que "Ninguém é um ilha" ou somos todos náufragos em terra firme?? lindo... muito bom ler!! Beijo

Anônimo disse...

É um prazer para mim ler um texto como esse. No fundo, uma reflexão sobre a solidão humana. Importante experimentar essa "verdade": somos solitários e, até certo ponto, incomunicáveis. Você lança mão de metáforas como o "mar", com seus convites abissais, e a "ilha", onde o confinamento físico coincide com o isolamento existencial. Suas referências a filmes ressoam leves, conseqüentes, sem afetação.
Como disse, Fábio, apreciei seu escrito. Muito.
Um abraço.
Dora

Márcio disse...

Pensei que só eu adorasse naufrágios e suas histórias! Grande texto, parabéns! E obrigado pelo comentário, apareça sempre!

Passageira disse...

É por isso que digo amar no outro o meu amor. O outro é sempre o nosso espelho, a nossa extensão.
Maravilhoso o texto! Destes da gente ler muitas vezes.
Beijãozão