21.1.06




Polidez e identidade: a virtude do simulacro
Jair Antonio de Oliveira
Índice
1 Introdução 1
2 Polidez, simulacro e identidade 1
3 Polidez e Prozak: a identidade ajustada
5
4 Enfim @ Yahoo 6
5 Referências 7
1 Introdução
A reflexão desenvolvida aqui convergirá para
um aspecto típico da dimensão social das
interações: a polidez e a sua relação com
a "produção"da identidade individual. Enquanto
norma, institucionalmente investida
de uma carga simbólica, a polidez convertese
em ritualização de gestos e discursos e assume,
com freqüência, uma função ambivalente
de inclusão e exclusão dos indivíduos
no espaço e na temporalidade em que é constituída.
Diante desta complexa realidade, o
que é considerado uma "regra de convivência"
posiciona identitariamente os indivíduos
nas diferentes ocasiões e, ao mesmo tempo,
no intercurso dessas figurações sociais, é redimensionada
pelos usuários da linguagem
como "ações políticas"que invocam uma escolha
típica da contemporaneidade, ou seja:
Mestre em Lingüística (UFPR). Doutor em Ciências
da Comunicação (USP). Pós-Doutor em Pragmática
Lingüística (IEL-UNICAMP).
a escolha entre "ser"e "parecer"com a intenção
de dar sentido às práticas e relações sociais.
Metodologicamente, optamos por uma
perspectiva Pragmática Lingüística, pois
como diz Rajagopalan (2002, p. 41), "a
identidade de um indivíduo se constrói na
língua e através dela. Isto significa que o
indivíduo não tem uma identidade fixa anterior
e fora da língua". Pragmaticamente
falando, as ações polidas são fundamentais
para refletir sobre a construção de identidades,
pois dão uma moldura simbólica e material
para os movimentos intencionais dos indivíduos.
Deste modo, a abordagem pragmática
deve voltar-se para o estudo das motivações
sociais subjacentes às escolhas lingüísticas,
para a análise das restrições que os
usuários encontram ao fazer uso da linguagem
e, finalmente, que espécies de efeitos foram
gerados por esses usos. O objetivo central
é ressaltar que, apesar da espetacularização
dos procedimentos polidos lingüísticos
e não-lingüísticos,tais comportamentos têm
uma função regulativa importante nas "negociações"
das identidades individuais.
2 Polidez, simulacro e identidade
A polidez tem sido abordada a partir de múltiplas
perspectivas e embora não haja uma
definição conceitual a respeito, concorda-se
2 Jair Antonio de Oliveira
que envolve o uso de estratégias verbais e
não-verbais a fim de manter a interação livre
de problemas. Como objetivo inicial da interação,
as estratégias ligadas à polidez visam
transmitir uma imagem positiva do usuário a
fim de obter um retorno favorável para o propósito
em questão. Posteriormente, configuram
o discurso e o comportamento dando início
à negociação pragmática de acordo com
as circunstâncias. Como "norma"social re-
flete o conjunto particular de prescrições explícitas
que cada sociedade possui e que fixa
comportamentos, estado de coisas ou maneiras
de agir em determinadas situações. Há
uma expectativa por parte do interlocutor de
que as ações do "Outro"sejam polidas, e essa
motivação tem uma base social, cultural e,
principalmente, política. É preciso cuidado
para que a associação da polidez com as
ações discursivas não se resumam à qualidades
abstratas que se fixam em enunciados
específicos, itens lexicais ou morfemas, sem
considerações às condições particulares que
regem o seu uso.
Historicamente, a polidez já esteve relacionada
à vida na corte e pertencer a essa casta
significava comportar-se de acordo com os
seus costumes dentro de um rígido esquema
cerimonial que determinava os papéis individuais.
O comportamento polido, embora representasse
um fardo para os indivíduos, era
fundamental para relacionar o sujeito com as
suas "origens"e por isso era reiterado e considerado
exclusivo das "pessoas de bem e de
berço". Mesuras e salamaleques, esses signos
do corpo, tornavam a polidez um equivalente
ao espetáculo. O que importava, antes
de tudo, é o que o olhar do Outro captava
desses gestos, que tinham como referência
regras diferentes daquelas de hoje: a
equivalência para "ser"era o aparato e a desenvoltura
do espetáculo. A marca de distinção
tornava-se uma prática de ilusão, ou
seja, adquirir uma identidade significava se
comportar em público como em uma espécie
de palco, de cenário, onde a representação
de elementos simbólicos garantia a inserção
do sujeito no mundo aristocrático: "ser"era
simular.
A simulação é fingir ter o que não se tem.
Como observa Baudrillard (1991, p. 9), alguém
que simula uma doença determina em
si próprio alguns dos respectivos sintomas,
portanto, põe em causa a diferença do "real"e
do "imaginário". O simulador não está "fingindo"
quando se apresenta como um indivíduo
polido, pois se ele "imita"tão bem as atitudes
aristocráticas é porque também o é. As
figurações das tensões no âmbito da corte,
por exemplo, contribuíam para a "construção"
de uma identidade individual onde a rigidez
do cerimonial e os gestos solenes eram
vitais para a sua associação com a noblesse
de robe. Evidentemente, as regras de etiqueta
não eram responsáveis por uma organização
racional, no sentido moderno, do espaço
da corte; mas essenciais para a construção
identitária, uma vez que a incorporação
dos comportamentos e procedimentos corteses1
representava prestígio e marcava simbolicamente
a divisão de poder entre os indivíduos.
Não havia, no caso, mudança na hierarquia
que não se expressasse como mudança
na etiqueta. Em contrapartida, a
menor alteração no posicionamento das
pessoas na etiqueta significava uma alteração
no ordenamento social da corte e da
sociedade de corte. Por esse motivo, cada
1 Neste trabalho os termos "cortesia", "polidez"e
"etiqueta"têm o mesmo contorno semântico.
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Polidez e identidade 3
indivíduo era extremamente sensível a
toda e qualquer mudança na engrenagem,
vigiando com atenção as mínimas nuances
para que o estado de equilíbrio hierárquico
fosse conservado ( ELIAS, 2001,
p.105).
Neste sentido, a polidez está associada à
auto-imagem pública das pessoas, que é permanentemente
monitorada, seja pelo indivíduo
que realiza as ações consideradas polidas
como por parte de seu interlocutor. Esta
situação remete para a noção de face (GOFFMAN,
1979; BROWN; LEVINSON, 1978,
1987), mas tal conceito precisa ser repensado
a partir de uma perspectiva Pragmática, com
o seguinte entorno:
a) "face"é uma "propriedade"criada em
sociedade de forma coletiva e transpassada
ao indivíduo por meio das crenças
de cada grupo e cujos resultados são negociáveis
nas interações;
b)embora o indivíduo possa "negociar"os
resultados de sua face, a autonomia que
obtém é relativa;
c) trata-se de uma autonomia relativa pois
está sujeita às correlações que o indivíduo
estabelece nas interações. Essas correlações
refletem as negociações, variações
e adaptações aos dados objetivos
da situação imediata e, na mesma proporção,
aos dados psicológicos percebíveis.
Sob o rótulo "psicológico"estão
os elementos cognitivos e emotivos das
pessoas. Os elementos emotivos, por
exemplo, são traduzíveis como disposições
afetivas e de engajamento indispensáveis
para a manutenção e continuidade
das interações.
Os conceitos de “face” e “polidez”
encontram-se intrinsecamente relacionados e
não se trata apenas de uma questão de construção
de imagem, mas de identidade. O
modo "como"o sujeito deseja ser visto ou
se apresenta em público vai além da performance
do corpo e da língua, pois envolve aspectos
simbólicos e psicológicos nem sempre
perceptíveis que são responsáveis por
comportamentos sociais individuais. Não
se deve esquecer que os seres humanos são
mais complexos que as categorias e os estereótipos
que procuramos atribuir-lhes. Obviamente,
a visibilidade da "forma"garante
num primeiro momento a inserção do sujeito
nos lugares sociais, mas nem sempre a aquisição
ou manutenção do status quo pretendido,
pois como disse Foucault (1987): "a
visibilidade do indivíduo é a sua própria armadilha".
Na sociedade de corte a etiqueta era vital
para garantir a ligação com o grupo prestigiado
socialmente e, conseqüentemente, mostrar
o que se "era". Na atualidade, o processo
de construção identitária não prescinde dos
comportamentos polidos, mas os relaciona
com o Ethos do século. Os costumes agora
exigem ações de simpatia para com os outros
(NIETZSCHE, 1986). Desde pequeno,
"o bom burguês"aprende a denunciar a vulgaridade,
a falta de respeito e o individualismo
mesquinho, atributos "estranhos"à sociabilidade.
Evita-se cuspir no chão e enfiar
os dedos na salada ou no nariz (pelo menos
em público), pois isto denunciaria o transgressor
como alguém que desconhece os códigos
de conduta em sociedade.
Com o surgimento de novas formas de
identificação trazidas pelos movimentos feministas,
ecológicos, homoeróticos etc, são
inúmeras as transformações sociais e histówww.
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4 Jair Antonio de Oliveira
ricas, no entanto, as pessoas ainda rejeitam
ser classificadas como "estranhas"ou "desviantes"
da "boa educação"(polidez). Tamanha
é esta armadilha que mesmo os indivíduos
que questionam publicamente a sua identidade
sexual, um tabu para a maioria, relutam
em ser apanhados pelo viés da impoliteness2,
pois, simbolicamente, isto equivale a
adotar a performance sexual que rejeitam3.
No diálogo de um filme que me escapa o título,
o sujeito homoerótico diz ao interlocutor:
"não seja rude querido, pois sexo é educado!"
A ambigüidade desta fala aponta para
pressupostos nem sempre levados em consideração,
ou seja: como formas de subjetividade
(identidade) são realidades lingüísticas
e não uma realidade natural e como a crença
preconceituosa se manifesta materialmente/
simbolicamente no contexto da polidez.
"Transformando-se no século XVIII naquela
polidez eminentemente democrática
que exige dos homens o polimento de seu
ser a fim de eliminar toda e qualquer aspereza
que possa distingui-los uns dos outros
nas suas relações"(LUCCHESI-BELZANE,
1993, p. 27), a sociedade deste século consagra
em seu ethos o simulacro, exercitado
por meio da polidez, que se imiscui em todas
as relações sociais, tornando-se uma força
determinante para a formação da identidade
em nível pessoal. Fingir ser o que não se é
torna-se uma espécie de paroxismo4 e simpatia,
concordância, aprovação, generosidade,
2 Reluto em traduzir impoliteness como impolidez,
ou falta de polidez. Não sei se existe este oposto.
3 Identidade sexual onde o sujeito encontra-se
"deslocado", "desajeitado", "violentado".
4 Estágio de uma doença, ou de um estado mórbido,
em que os sintomas se manifestam com maior
intensidade. A exaltação máxima de uma sensação ou
de um sentimento (FERREIRA, 1975, p. 1039).
tato, são invocados para dar sentido às relações.
Impera o marketing da cooperação
permanente entre os seres humanos e ações
lingüísticas politicamente corretas, a contraparte
verbal da cultura somática contemporânea,
se expandem como formas de maximizar
benefícios para o Outro. O simulacro
e a polidez adquirem o prestígio de um núcleo
de produção de identidades fixas que se
revelam unicamente no “parecer”.
O marketing dos bons sentimentos
relaciona-se à atual cultura somática, representada
pelo culto ao corpo, e tem como
propósito permitir que os "desconhecidos"
sociais se transformem em simulacros
das figuras cuja notoriedade foi construída
pela força e exposição na mídia. Já que
não é possível ter o que se deseja e nem
ser eleito pelo marketing para a exposição
publicitária permanente, simula-se os
atributos físicos dessas figuras célebres
(FREIRE COSTA, 2004). A contraparte
desse processo, o discurso politicamente
correto, parte do pressuposto de que as
alterações nos comportamentos lingüísticos
levam, necessariamente, à ações renovadoras
no mundo, o que justifica um cuidado
extremo com a escolha lexical e com a
“forma” da língua. Ao representar nas
escolhas lingüísticas o espírito da época,
apenas se transfere de dimensão o culto ao
“parecer”, adornando os termos como se
esses fossem corpos moldados e, portanto,
mais ágeis semanticamente para agirem
em/na linguagem/mundo. O engano ao se
colocar o adereço de corpos e língua como
impulso para qualquer transformação social
está em não se levar em conta o jogo do
simulacro implícito em toda essa situação. O
gesto polido perdeu a relação simbólica que
tinha com a posição do sujeito no mundo
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Polidez e identidade 5
e passou a representar a presença do corpo
no mundo, realidade marcada unicamente
pela materialidade das ações, que pode ser
traduzida como o objetivo de representar
em si, por meio do somático, a identidade
idealizada.
O exemplo da linguagem politicamente
correta, que procura evitar a discriminação
e o preconceito nos discursos, não pode se
esquivar de uma paranóica busca por um
modelo ideal de uso. Trata-se de impingir
aos usuários um procedimento e uma taxonomia
de escolhas lexicais, sem verificar
como a rede de crenças individual foi estabelecida
pelas combinatórias lingüísticas que
quer substituir. As redes de crenças são fundamentadas
nos desejos individuais e coletivos,
exigindo uma constante atenção para as
circunstâncias e motivos em que são internalizadas.
Por isto, qualquer tentativa de “modelar”
usos da linguagem está destinada ao
fracasso, uma vez que tais empregos constituirão
unicamente de simulações.
O simulacro não é destituído de virtude,
mas qual a virtude de uma sociedade simulacro,
onde gestos e discursos tendem a representar
sempre o que não se é ou não se
tem? Quando a totalidade das ações é simulação,
já não se pode estabelecer mais uma
diferença entre o ser e parecer. Qual a diferença
entre os quadros pintados pelo holandês
Veermer e as “imitações” feitas por
Van Meergeren5, que só foram “identificadas”
quando o próprio "falsário” as denunciou?
Essas produções artísticas constituem
5 Van Meergeren reproduziu dezenas de quadros
de Veermer, todos considerados autênticos pelo experts
em arte flamenga do século XVI e XVII. Criou
novos quadros atribuídos à Veermer, como "Cristo em
Emaús". Hoje, é possível visitar o museu com as
obras do "falsário"na Holanda.
o que Umberto Eco chamou de "hiporrealismo",
isto é, a representação que procura
fazer com que todos acreditem na realidade
que representa. Não são apenas telas, quadros,
mas projeções de construções identitárias
associadas à "tipos"ideais:
Esse irrealismo arquitetônico produz, em
nível escultural, os corpos nus dos atletas,
do Gênio da Vitória, de Wamper, dos
guerreiros de Arno Breker, são academicamente
corretos; bíceps e deltóides bem
colocados, as mulheres têm até seis, parecem
verdadeiros. Mas "parecem". Porque,
olhando ao redor, percebemos que
essas figuras alegóricas se assemelham,
não são indivíduos, mas tipos simbólicos
abstratos; o realismo sabe sempre até
onde ir (ECO, 1989, p. 56).
3 Polidez e Prozak: a identidade
ajustada
Soma era o nome da droga da felicidade
inventada por Aldous Huxley no romance
"Admirável Mundo Novo". As pessoas ingeriam
Soma para ficarem ajustadas aos padrões
biológicos e comportamentais impostos
pela tirania em que viviam. Esse "modelador
psíquico"criava um estado de felicidade
permanente, permitindo às pessoas se
harmonizar com a vida e seus semelhantes,
ou seja: a instância da polidez era alcançada
pela ação da droga em nível de fisiologia celular.
No contexto atual, o Prozak (Cloridrato
de Fluoxetina), usado por mais 20 milhões
de pessoas em todo o mundo, parece
conferir confiança social aos habitualmente
tímidos. Depois de usarem a droga, os pacientes
recuperavam o verdadeiro eu, e aquele
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6 Jair Antonio de Oliveira
eu invariavelmente revelava ser mais extrovertido,
confiante e com maior capacidade de
recuperação (ROTHMAN, 1994, p. 6). Os
relatos de pessoas cujos sentimentos de infelicidade,
melancolia e falta de energia são
tão constantes que isto já é parte integrante
de suas personalidades, passam a variar depois
de tomar Prozak. Essas novas "identidades"
geradas pelo incremento das ações do
neurotransmissor serotonina são caracterizadas
como "agradáveis"e a polidez é reestabelecida
com o apoio da psicofarmacologia.
Obviamente, as intervenções médicas e
farmacológicas trazem mudanças significativas
ao processo de adaptar os pacientes
às normas prevalecentes, e isto também
se aplica à dinâmica da redescrição
das identidades pessoais dos envolvidos nessas
"curas". Nessas circunstâncias, a polidez
não será apenas o resultado das alterações
subjetivas individuais, mas o reflexo
da pressão coletiva para representar/criar um
"eu"devidamente ajustado ao contrato social.
Não se trata unicamente da busca do aumento
do prazer, mas da adequação a uma
cultura somática, onde o simulacro torna os
indivíduos "normais"por meio da polidez e o
consumo de um farmaco possibilita aos que
apresentam "dolorosos sintomas"uma sensação
de mudança positiva no seu jeito de existir.
Derrida (1991, p. 46-52) observou que
"não há remédio inofensivo. O phármakon
não pode jamais ser simplesmente bené-
fico.(...) o phármakon contraria a vida natural.
O phármakon produz o jogo da aparência
a favor do qual ele se faz passar pela
verdade". E relacionando o phármakon à escritura
afirma: "ela se joga no simulacro".
4 Enfim @ Yahoo
Guliver, em sua última viagem por lugares
distantes, chega à Terra dos Houyhnhnm,
que significa "cavalo", e na sua etimologia
"a perfeição da natureza"(SWIFT, 1984,
p.231). Nesse lugar, os seres irracionais são
os humanos, chamados de Yahoos, cujos atributos
são: a preguiça, a maldade, a traição, a
vingança e o forte apego à sujeira. Tais seres
odiavam-se entre si mais do que outras espécies
animais. O motivo estava na própria
odiosidade de suas formas que não podiam
ver nos outros, mas apenas em si mesmos.
Para os Houyhnhnms, Guliver também é um
Yahoo e por mais que tente esclarecer o seu
desgosto por assim ser identificado, seus esforços
são em vão. Ao longo de sua estada
nessa terra, Guliver empenhou-se para dissociar
a sua imagem e identidade da natureza
bruta, degenerada e irracional dos Yahoos.
"Meu principal esforço foi aprender a língua
que o meu senhor (como doravante o chamarei),
seus filhos e criados da casa desejavam
ensinar-me"(ibidem, p. 205). Era preciso
parecer racional, benevolente e amigo,
decente e civilizado como os habitantes dessas
plagas. Aprender a língua dos Houyhnhnms,
demonstrar cuidados de higiene com
seu corpo, cuidar na escolha dos alimentos
e mostrar deferências nas relações com os
eqüinos tornou-se a prática cotidiana de Guliver.
Com o tempo, imitava tão bem os seus
anfitriões que, não fosse a forma física, seria
considerado um igual. O infortúnio fez
com que Guliver tivesse que retornar ao seu
lar na Inglaterra, mas ele jamais esqueceu as
palavras do alazão no momento da despedida:
"Hnuy illa nyha, maiah yahoo"( ibid.
p.253), ou seja: "Tenha cuidado consigo,
gentil Yahoo"(o negrito é meu). A idenwww.
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Polidez e identidade 7
tidade se constrói na língua, e não é preciso
muito esforço para perceber como os
@ Yahoos têm disseminado "a coisa que não
é".6
5 Referências
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulações.
Lisboa: Relógio d,água, 1991.
BROWN, P. ; LEVINSON, S. Politeness.
Cambridge: CUP, 1987.
DERRIDA, Jacques. A Farmácia de Platão.
São Paulo: Iluminuras, 1991.
ECO, Umberto. Sobre os Espelhos. Rio:
Nova Fronteira, 1989.
ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte. Rio:
Zahar, 2001.
FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário
da Língua Portuguesa. Rio:
Nova Fronteira, 1975.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 15 ed.
Petrópolis: Vozes, 1987.
FREIRE-COSTA, Jurandir. O Vestígio e a
Aura. Rio: Garamond, 2004.
LUCCHESI-BELZANE, Martine. Um Vazio
Essencial. In: Polidez. Porto Alegre:
L&PM, 1993.
NIETZSCHE, F. On truth and lie an extramoral
sense: In: Desconstruction in
context. Chicago: UCP, 1986.
6 Uma tradução para "mentira"na língua dos alazões.
RAJAGOPALAN, Kanavillil. O Conceito de
Identidade em Lingüística. In: SIGNORINI,
Inês (Org.). Língua(gem) e Identidade.
Campinas: Mercado das letras,
2002.
ROTHMAN, David. Artigo jornalístico. São
Paulo: jornal Folha de São Paulo, Caderno
Mais, ed. 27/02/94, p.6-6.
SWIFT, Jonathan. As Viagens de Guliver.
Rio: Edições Bloch, 1984.
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Amo iluminuras. Que estranheza essa que me causam. Essa feérie de cor e forma convidando a uma investigação minuciosa.
Acredito que, se alguém ama selos e vitrais fatalmente descobrirá que na verdade ama iluminuras.
São pequenas janelas para o passado.
Dificilmente um selo poderia alcançar a profusão de significados de uma iluminura. Um selo já tras todos os seus símbolos revelados. Compartilham, no entanto, esse mundo da miniatura. Um mundo que exige um acuramento das percepções. O mundo ao qual se viaja por um trajetp centrípeto.