18.8.08

Toy Theatre Teatro de Papel




O grupo A Roda foi convidado em 2000 a participar de um festival em Nova Yorque chamado 'Festival do Pequeno Formato' onde parte dos espetáculos baseava-se na estética do Toy Theatre. Levamos o espetáculo 'O Combate', sobre o mito de São Jorge, que acompanhava a proposta do festival: pequenos espetáculos para uma platéia reduzida. Pude ver em exposição no foier exemplos de Toy Theatre ou Teatro de Papel, alguns encadernados ainda e outros já recortados e montados.



O Toy Theatre parece ter começado de forma bem artesanal e muitos artistas ainda os fabricam, mas, por motivos óbvios, os que mais se popularizaram foram os impressos. A burguesia do século XIII, e isso se prolongou até o começo do século passado, levava para casa estes brinquedos sofisticados que repetiam personagens e cenários das peças que assistiam.
Relativamente fáceis de montar, os mais antigos exigiam habilidade com tesoura mas talvez isso fosse exigir demais então começaram a aparecer os destacáveis, era só colar e pronto. O teatro já tinham, só faltava o resto...
Entre as mais conhecidas publicações de teatros de papel estão as do editor alemão Johann Ferdinand Schreiber, do editor inglês Pollock, do dinamarquês Alfred Jacobsen, dos franceses da Imagerie d’Epinal e dos espanhóis Paluzie e Seix & Barral, El Teatro de los Niños.






O Combate, Companhia A Roda de Teatro de Bonecos, 2000, Bahía

Aquí um texto interessante sobre o Teatro de papel

História do Teatro de Papel

Dorothea Reichelt*

“Seja qual for o local em que nos encontremos hoje em dia, estamos rodeados de papel. A utilização quotidiana do papel – seja em forma de jornal, de cartaz, papel para impressora, papel higiénico, bilhete de cinema, bilhete de teatro – apagou há muito tempo a magia que o papel outrora exerceu sobre as pessoas em virtude de todas as possibilidades de utilização que permitia.
Apesar de hoje ser utilizado como objecto quotidiano e descartável, e de ter assim perdido uma parte do seu significado, convinha, no entanto, não esquecer que o papel teve um lugar de primeira ordem no desenvolvimento da nossa civilização. Um pequeno elemento deste mosaico na história da cultura ao longo dos séculos é o Teatro de Papel. Em finais do séc. XIX podia ser encontrado em quase todas as famílias.

O Teatro de Papel

O Teatro de Papel é um teatro em miniatura. Toma como referência o verdadeiro teatro e tenta copiá-lo, não só naquilo que se refere à técnica cénica e ao ambiente mas também no que diz respeito ao repertório. Os princípios do Teatro de Papel remontam ao fim do séc. XVIII. No primeiro número da sua publicação semanal O Amigo das Crianças, em 1775, Christian Felix Weisse evoca “os aspectos agradáveis e divertidos de um pequeno teatro para crianças. Fazem-se representações com este pequeno brinquedo nos dias de festa, ou seja, em aniversários e ocasiões semelhantes”. Peças apropriadas para os pequenos teatros, a maior parte das vezes de conteúdo moralizador, surgiram nessa publicação. No fim do séc. XVIII o editor J.M. Weiss publicou nos seus folhetos, em Augsburg, algumas destas pequenas peças com personagens. As figurinhas eram feitas para recortar e brincar. São um elemento importante que faz a ligação entre as marionetas de mão ou de fio anteriores e o Teatro de Papel, mais recente. É evidente que o Teatro de Papel se distingue em muitos aspectos do teatro de bonecos, de personagens com volume capazes de movimento. Na maneira de actuar e na adaptação artística, o teatro de bonecos segue leis próprias, enquanto que o Teatro de Papel se mantém muito próximo do teatro real e constitui, portanto, um verdadeiro teatro em miniatura. O Teatro de Papel, no sentido restrito do termo, deve ser interpretado como um fruto típico da época romântica.
Teve na sua origem a grande paixão pelo teatro sentida pela alta burguesia no séc. XIX, e servia para reproduzir no seio das famílias as peças de teatro célebres e que tinham tido sucesso nos grandes palcos, e também para as tornar acessíveis e visíveis às crianças. É constituído por decorações como o fundo de cena e os bastidores laterais, uma cortina e um proscénio, e figurinhas em papel. Estes elementos eram apresentados sobre grandes folhetos impressos, colados sobre cartão, recortados e montados para com eles se fazer um palco sobre uma armadura de madeira. As figurinhas de papel, de 9 a 13 centímetros, reproduziam inicialmente os actores da época, quer nos figurinos quer na fisionomia. Eram fixadas em pequenos pedaços de madeira e deslocavam-se sobre o palco com a ajuda de um fio, quer por cima quer pelos lados.
O estilo do Teatro de Papel corresponde à disposição dos bastidores na época barroca ou então às cenas em trompe-l’oeil que se podem ver ainda em alguns velhos teatros como Drottningholm ou Böhmisch-Krumau. A instalação técnica da maquinaria de cena era muitas vezes reproduzida nos teatros de papel.
As condições técnicas prévias para que o Teatro de Papel se pudesse difundir
Se o Teatro de Papel se conseguiu assim desenvolver e difundir tão rapidamente no séc. XIX foi graças a duas invenções que contribuíram de forma decisiva para o desenvolvimento da cultura moderna: por um lado, a evolução técnica do fabrico do papel com o início da era industrial e, por outro lado, o facto de a produção em massa se ter tornado possível com a invenção da litografia, em substituição da gravura em cobre que apenas permitia um número restrito de impressões. [...]

Os precursores do Teatro de Papel

As estruturas que estão na origem do Teatro de Papel podem ser encontradas nos presépios de papel, nos desdobráveis e nas pequenas caixas panorâmicas de cartão, especialidade de Augsbourg. O ponto comum a todos eles é o facto de serem fabricados em papel, a partir de uma vontade individual, de se referirem a um tema encenado de uma forma próxima da cena real, num espaço tridimensional, e de poderem ser modificados.
O presépio de papel tem as suas raízes essencialmente na Áustria e na Baviera. No séc. XVIII e, por maioria de razão, no séc. XIX encontrava-se já no seio de numerosas famílias.
Rapidamente se encontraram vantagens económicas neste presépio: figurinhas planas recortadas em papel e mantidas em pé com a ajuda de uma pequena haste de madeira colocada por trás, por oposição às personagens com volume colocadas em primeiro plano. Na Boémia e na Morávia, os “pintores de bonecos” fabricavam as figurinhas para os presépios e outras cenas. Nesta mesma época, as pequenas caixas panorâmicas adquiriram também a sua celebridade, porque permitiam às pessoas satisfazer os seus novos hábitos de ver, o seu desejo de perspectiva. “A expansão destas pequenas caixas está confirmada desde o princípio do séc. XVIII. Inicialmente expostas como atracções nas feiras, foram em seguida fabricadas para uso particular, primeiro em Augsbourg e depois em Paris. Mais uma vez é o fabrico de Martin Engelbrecht (em Augsbourg, 1684-1756), que assume uma grande importância.
As suas caixas, com pequenas cenas graciosas, estão de tal forma próximas do teatro em miniatura que não podemos ignorar o seu carácter exemplar. Essas caixas em miniatura, amplamente difundidas e fabricadas a partir de gravuras coloridas, imitavam os bastidores dos palcos do teatro barroco, com seis profundidades de campo ou mais, e um fundo de cena. Os grupos de figurinhas fixas evocavam temas religiosos ou mitológicos, cenas de caça, festas de corte ou campestres, passeios de trenó e mesmo cenas de ópera ou de comédia. Destinavam-se ao divertimento de um público aristocrata”. (Sigrid Metken, Geschnittenes Papier: Eine Geschichte des Ausschneidens in Europa von 1500 bis heute, Hamburgo, 1978, pág. 253.)

O teatro e a sociedade

A época que se seguiu à Revolução Francesa teve como efeito, também no império alemão, reformas que, no entanto, apenas conseguiram penetrar em raros domínios, essencialmente culturais: o teatro e a literatura. A burguesia continuava largamente excluída do poder político. O desaparecimento progressivo da divisão política em pequenos espaços através da criação de um Estado nacional não conseguia concretizar-se, e as esperanças que os círculos burgueses e democráticos tinham depositado nas guerras de libertação foram aniquiladas pelas forças da Restauração depois do Congresso de Viena, em 1815.
A burguesia resignou-se e procurou outros ideais, na glorificação da vida privada: a família, a valorização do interior, o conforto e a cordialidade. O modo de vida do “Biedermeier” tornou-se a expressão típica do estado de espírito da época. A tendência para a retirada do “mundo exterior” foi reforçada devido às modificações económicas produzidas pelo início da industrialização. O domínio profissional e a vida familiar, dos quais a casa tinha sido até àquele momento a sede, ficaram separados e desenvolveram-se a partir desse momento em espaços diferentes: a vida privada em casa e a vida profissional na empresa. E daí decorreram modificações nas relações entre os membros da família. De comunidade de produção, a família transformou-se em comunidade de educação, de formação e de consumo. Era essencialmente a mulher quem dirigia a casa, enquanto o homem assumia, no exterior da casa, as suas funções profissionais. Atribui-se também um novo valor à infância e à juventude, que pela primeira vez foram reconhecidas como uma fase no desenvolvimento da vida, com as suas leis e as suas necessidades. Neste contexto, os domínios de aprendizagem, centrados essencialmente em torno da formação do “bel esprit”, assumiram uma importância capital e serviram como meio para a realização de cada um e para o reforço da consciência da classe burguesa.
Como o teatro constituía um dos raros domínios acessíveis à burguesia no fim do séc. XVIII – como testemunha a criação de teatros nacionais: Mannheim (1778), Berlim (1786), Munique (1811-1818), Dresden (1838-1841) – assumiu, portanto, uma grande importância como estrutura que permitia o acesso à cultura. O burguês sequioso de cultura encontrava no teatro uma compensação para as actividades políticas que lhe estavam vedadas. A descrição de Heinrich Heine caracteriza este público de teatro alemão com um grande rigor: “Na plateia alemã estão sentados cidadãos pacíficos, funcionários, que têm realmente a intenção de aí digerir tranquilamente a sua choucroute, e lá em cima, nos camarotes, encontramos as raparigas de olhos azuis da nobreza, belas almas loiras que trouxeram para o teatro o seu tricot ou outro trabalho qualquer, e que querem sonhar docemente sem no entanto deixar cair nenhuma malha. E todos os espectadores possuem esta virtude alemã que nos é dada à nascença ou, pelo menos, pela nossa educação, que é a paciência”. (Heinrich Heine, Obras Completas, vol. 3, Darmstadt, 1971, pág. 300.)
O entusiasmo pelo teatro nesta época está na origem de objectos de culto próprios. Os actores, que noutros tempos eram um povo sem domicílio, sem reconhecimento social e sem nenhum direito, foram adorados e celebrados como artistas, os seus figurinos suscitavam a admiração, as brochuras reproduziam-nos e difundiam-nos largamente no seio da população. As maquetas de palco dos intendentes dos teatros berlinenses, August Wilhelm Iffland e o Conde Karl Moritz von Brühl, serviram de modelo para estas brochuras de figurinos de teatro, que foram impressas em Nuremberga a partir de 1807 por Johann Raab, Friedrich Campe e Georg Nikolaus Renner. Já não faltava mais do que um pequeno salto para passar da contemplação pura e simples destes folhetos à construção de um Teatro de Papel para poder brincar em casa. Para as necessárias decorações de teatro (fundo de cena, bastidores) utilizaram-se inicialmente as maquetas de palco de Karl Friedrich Schinkel e Karl Wilhelm Gropius em Berlim.

O repertório

As peças que foram representadas nesses teatros de papel correspondiam em geral às encenações dos grandes palcos europeus. O teatro clássico assume aqui um lugar preponderante. De Johann Wolfgang von Goethe representaramse essencialmente Fausto e Götz von Berlichingen. As peças de Friedrich von Schiller foram também muito apreciadas, sobretudo Os Salteadores, Guilherme Tell ou Wallenstein. Mas a peça Kätchen von Heilbronn, de Kleist, um grande sucesso público, abriu igualmente um caminho no repertório do Teatro de Papel. A ópera também foi representada com vários títulos: as óperas de Wolfgang Amadeus Mozart, como A Flauta Mágica, As Bodas de Fígaro e Don Giovanni. Der Freischütz, de Carl Maria von Weber, foi sem dúvida a mais representada de todas as óperas para Teatro de Papel, porque todos os editores de ilustrações mandaram imprimir as figurinhas correspondentes. Outras óperas conheceram igualmente um grande sucesso: La Fille du régiment, de Gaetano Donizetti, Zar und Zimmermann, Der Waffenschmied e Undine, de Albert Lortzing, e Martha, de Friedrich von Flotow, por exemplo. Tannhäuser e O Holandês Voador, de Richard Wagner, tiveram igualmente os seus admiradores. O teatro de boulevard – a farsa, a peça popular e a opereta – está representado por pequenas peças de Johann Nestroy e Ferdinand Raimund, Lumpazivagabundus do primeiro, e Der Alpenkönig und der Menschenfeind do segundo. Im Weissen Rössl, peça ligeira de Hans Müller, ou as operetas Flotte Burschen, de Franz Von Suppé, e Der Zigeunerbaron, de Johann Strauss, pertenciam igualmente ao programa dos palcos em miniatura. De teatro em miniatura, o Teatro de Papel transformou-se, no fim do séc. XIX, em teatro para crianças, e a encenação de contos, lendas e peças de Natal surgiu no lugar do repertório de teatro habitual. É certo que, desde o princípio, se aceitaram as crianças como espectadores, mas no início da época do Teatro de Papel não havia peças para crianças propriamente ditas. A partir da segunda metade do século, reconheceram-se, paralelamente ao papel educativo do teatro, os aspectos criativos que ele podia também suscitar nas crianças, e foi só nessa altura que o Teatro de Papel se tornou um brinquedo dedicado às crianças. As representações tradicionais e os conteúdos culturais podiam continuar a ser transmitidos. Em 1878, o editor J.F. Schreiber de Esslingen lançou no mercado o primeiro verdadeiro teatro para crianças, com o qual elas poderiam criar as suas próprias representações. Com este objectivo, modificaram-se os textos originais das peças e reescreveram-se as mesmas numa versão reduzida, simplificada e purificada segundo a opinião da época, tanto do ponto de vista moral como linguístico. A lista dos títulos dos 69 libretos comercializados para o teatro de Schreiber atesta bem esta evolução.

Os editores do Teatro de Papel
Em Inglaterra

O primeiro editor que realmente começou a produzir folhetos para o Teatro de Papel foi o gráfico William West, em Londres, em 1881. Estes teatros eram efectivamente destinados a que se pudesse brincar com eles. Ao longo dos anos vieram juntar-se a ele os editores Skelt, Webb, Redington e Pollock, ou melhor, assumiram a sucessão uns dos outros. O sucesso surpreendente destes primeiros folhetos desencadeou outras edições, que se inspiraram em encenações populares dos palcos londrinos de Covent Garden e Drury Lane. Com este objectivo, alguns desenhadores faziam esboços de decorações e figurinos, por altura dos ensaios gerais, e no momento das representações eram postas à venda as maquetas dos palcos sobre os quais as pessoas podiam voltar a representar a peça.
A designação “Toy Theatre” (teatro-brinquedo) ou “Juvenile Drame” (teatro para crianças) mostra qual o tipo de público a quem estas brochuras eram destinadas, ou seja, a juventude. 500 peças no total, 150 só de William West, foram objecto de comercialização. Ao lado dos dramas de Shakespeare e das adaptações dos romances de Walter Scott, a história de salteadores de Isaac Pocock, criada em 1813 em Covent Garden, The Miller and His Men, atingiu a tiragem mais elevada, com nada menos do que 40 edições diferentes. Embora o “Toy Theatre” fosse destinado às crianças e aos jovens, nunca – ao contrário da Alemanha – se publicou uma peça especial para crianças. Robert Louis Stevenson descreve, no capítulo “A Penny Plain and Twopence Coloured” do livro Memories and Portraits, a impaciência tingida de alegria que sentia de cada vez que comprava novas brochuras. Um folheto a preto e branco custava um penny, a cores custava o dobro. Ao contrário da Alemanha, onde o Teatro de Papel funcionava essencialmente como objecto de distracção e de jogo para a camada mais elevada da burguesia, em Inglaterra visava antes de mais os jovens do meio operário, artesão e pequeno-burguês. Estes jovens não tinham dinheiro para ir ao teatro e apenas podiam adquirir pequenas brochuras baratas. Até 1860 foram constantemente acrescentadas ao repertório novas peças, após o que nenhuma outra foi produzida, apesar de se continuarem a reeditar as antigas. Ainda hoje se pode comprar em Inglaterra um “Original Pollock Toy Theatre”. [...]

Como se brincava com o Teatro de Papel em família?

Depois de se terem comprado os tão desejados folhetos de teatro, ou depois de as crianças os terem recebido de presente, era muitas vezes toda a família que se sentava à mesa para repartir o trabalho de recortar, colar e montar. Na montagem particularmente delicada do esqueleto do teatro com o proscénio, era sobretudo o pai quem ajudava. Não era raro que este trabalho fosse também confiado a um marceneiro. Os ensaios, numa fase posterior, exigiam a colaboração activa de todos os membros da família para manipular as personagens, ler o texto ou fazer o acompanhamento ao piano.
A maior parte das vezes era para as festas, sobretudo o Natal, que se fixava a data da estreia. Habitualmente, o teatro tinha o seu lugar na sala de estar. Os espectadores ficavam sentados, cheios de impaciência, em frente ao proscénio e o pessoal doméstico tinha também ocasionalmente autorização para assistir ao espectáculo. Regra geral, os rapazes e o pai assumiam a direcção do teatro, a gestão dos acessórios, a iluminação do palco e todas as manipulações técnicas, ou seja, tudo o que era necessário para a vida do teatro, enquanto que as raparigas tinham preferencialmente as casinhas de bonecas para se iniciarem no papel de futura esposa e mãe. A dramaturgia dos acontecimentos no palco era transmitida mais pelos efeitos técnicos, como raios e trovões, do que pelo movimento das figurinhas de papel que, de facto, não podiam fazer muito mais do que agitar-se ligeiramente ou balançar de um lado para o outro no momento em que falavam. Podemos dar-nos conta, ao ler as memórias de juventude de homens célebres desta época, até que ponto estes momentos de teatro marcaram a alma e o carácter das crianças de então. Ludwig Tieck, Wilhelm von Kügelgen, Felix Dahn ou Thomas Mann contam essas memórias, que muitas vezes deixaram marcas para a vida inteira.
Na novela Der Bajazzo, de Thomas Mann, o leitor fica a conhecer o fervor e o entusiasmo com que o escritor brincava com o seu teatro quando era pequeno. Escreveu ele: “Trata-se de um grande teatro de bonecos, muito bem equipado, com o qual eu me encerrava sozinho no meu quarto para montar os mais extraordinários dramas musicais. Puxava as cortinas e pousava um candeeiro ao lado do teatro, porque a iluminação artificial me parecia necessária para tornar a atmosfera mais intensa. Instalava-me mesmo em frente ao palco, era eu o chefe de orquestra, com a mão esquerda pousada sobre uma grande caixa redonda de cartão, que constituía o único instrumento de orquestra visível. Chegavam então os artistas que participavam na obra, tinha-os eu próprio desenhado com pena e tinta, tinhaos recortado e tinha-lhes colado uns pequenos paus de madeira para que se pudessem manter em pé. Eram senhores de casaco e chapéu alto, e senhoras de uma grande beleza. ‘Boa-noite, minhas senhoras e meus senhores, dizia-lhes, estão preparados? Eu já aqui estou porque ainda havia alguns problemas para resolver. Já vai sendo tempo de se dirigirem aos camarins e de se arranjarem’. Dirigíamo-nos então aos camarins, que se encontravam atrás do palco, saíamos de lá rapidamente, completamente transformados em figurinhas de teatro coloridas, e íamos informar-nos sobre a ocupação da sala, observando-a através do buraco recortado na cortina do palco. A sala, com efeito, estava convenientemente cheia; eu dava um pequeno toque de campainha para indicar o início da representação, após o que erguia a batuta e me deleitava por um instante com o profundo silêncio que este gesto suscitava. A um novo gesto da minha batuta, porém, começava a soar o surdo e misterioso rufar do tambor, que anunciava o início da abertura, e que eu executava com a mão esquerda sobre a caixa de cartão. Os trompetes, os clarinetes e as flautas, cuja tonalidade eu sabia muito bem imitar com a boca, soavam então, e a música continuava a tocar até ao momento em que, num crescendo poderoso, a cortina se erguia e o drama começava, na obscuridade de uma floresta profunda ou no esplendor de uma habitação. Esta história tinha-a eu imaginado em pensamento, mas tinha de ser improvisada nos detalhes, e os cantos apaixonados e doces que iam ganhando forma, acompanhados pelos trinados dos clarinetes e pelo ribombo dos tambores, eram versos estranhos e sonoros, cheios de grandes palavras audaciosas que rimavam por vezes mas que, no entanto, só raramente faziam sentido. Mas a ópera continuava, ao mesmo tempo que eu batia no tambor com a mão esquerda, cantava com a boca e, com a mão direita, não só movimentava as figurinhas que representavam mas dirigia também tudo o resto com um cuidado infinito. Isto fazia com que no fim de cada acto ressoassem uns aplausos entusiastas, pelo que era necessário abrir a cortina por várias vezes, e que ocasionalmente fosse necessário que o director da orquestra se voltasse no seu pódio e agradecesse à sala, ao mesmo tempo orgulhoso e lisonjeado. De facto, quando após uma representação tão extenuante eu arrumava o meu teatro com a cabeça a arder, sentia-me invadido por uma lassidão tão feliz como aquela que devia experimentar o verdadeiro artista depois de ter terminado com sucesso uma obra na qual teria posto o melhor de si próprio. Este jogo continuou a ser o meu passatempo favorito até chegar aos treze ou catorze anos”. (Thomas Mann, Récits, vol. 1, Frankfurt, 1975.)

O Teatro de Papel nos nossos dias: um anacronismo?

Hoje em dia o Teatro de Papel perdeu os seus atractivos e caiu no esquecimento enquanto objecto e meio de educação estética. Mas é ainda capaz de proporcionar prazer e divertimento àqueles que sabem avaliar a magia dos objectos propostos para a aprendizagem e aquisição de experiência graças à sua criatividade e imaginação. [...] Hoje em dia, o Teatro de Papel é ainda capaz de sensibilizar para o jogo da representação ou para o teatro em geral; a sua complexidade – que resulta de uma experimentação através do jogo, do facto de pôr simultaneamente em contacto forma, conteúdo, imagem, língua e música – contribui para isso. Porque este teatro pode modificar e tornar mais dinâmicos os nossos hábitos de percepção, o nosso comportamento de telespectador essencialmente sensível ao consumo, à sensação e à selecção, ou seja, incitar-nos a participar pelo pensamento e pelo jogo. É claro que o Teatro de Papel, com a sua ingenuidade tocante, não se propõe assumir o lugar da televisão ou do computador, mas constitui um enriquecimento que estimula a imaginação e a criatividade. Continua palpável, previsível e próximo, e faz participar no jogo, de uma forma activa, tanto o espectador como o actor.”
* “Les Brigands dans la Salle à Manger: Histoire du Théâtre de
Papier”. In http://www.marktbreit.de/museum/les_brigands.htm
Trad. Lina Dupuis. Marktbreit: Museum Malerwinkelhaus, cop. 1999.

Tradução Para o português em:
Teatro de Papel – Convidado de Pedra, PDF

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