21.2.06

O Tempo expande e se contorce

Conduzir o gesto de um boneco é como segurar a areia do tempo. Este é um momento sem tempo. É a oportunidade única do reconhecimento, quando a cobra morde o rabo.

O clima que se quiz alcançar era o do fantástico-alegórico, como acredito que não pode deixar de ser qualquer espetáculo de bonecos. Os personagens alternam em sua jornada momentos de tolice e sabedoria, não é possível fixar um herói. O Velho já foi o Menino e o Menino será o Velho. Este espetáculo é uma casa de espelhos diante dos quais estacamos só até o tempo do reconhecimento. Simulacros são imagens engenhosamente distorcidas.
A lenta marcha na trajetória desses bonecos que nos demonstram, em seu peso, tamanho e modo peculiar de manipulação, que somos nós também simulacros, e simulacros de nós mesmos.
O tempo aí demonstrado em sua crueza e inexorabilidade onde a surpresa e o maravilhamento duram apenas o suficiente para percebermo-nos monótonos escravos.
No princípio o Menino está sentado na Burrinha junto das gaiolas com galinhas. O velho vem atras com seu cajado. A aceleração do menino montado o distancia do Velho que por sua vez segue cada vez mais lento. Este distanciamento logo no começo do espetáculo é uma metáfora do tempo. Ele se estende multifocal. Os eventos da vida ainda atuantes no tempo e lugar onde ocorreram.

Aquí dois dos bonecos utilizados em 'A Cobra Morde o Rabo' espetáculo de 1999.

Boneco representando Cuíca de Santo Amaro, repentista, cantava seus versos nas feiras livres da Salvador dos anos 50. No prólogo canta "Vinde, vinde, moços e velhos" de domínio público; encontrâmo-la em 'Na Pancada do Ganzá', disco de Antônio Nóbrega cujos trejeitos nos inspiramos para construir o gestual no nosso Cuíca.


Aquí o próprio Cuíca de Santo Amaro em cena, provavelmente, do filme 'A Grande Feira' de Roberto Pires.

O Menino com o Beija-flor

O Menino e o Velho são o mesmo elemento em pontos extremos da existência ( representada na estória como a Burrinha e o caminho) , esta é o cargueiro e sofre sua metamorfose tornando-se carga. É necessário assumir a carga da vida desde a própria esperiência, inevitavelmente apreendida depois de testadas as possibilidades outras que se impõem como tesouras podando um crescimento desordenado e intolerável para os olhos e opinião alheios.


A aparição física da cobra mitológica vem trazer o respaldo mesmo do poder dos mitos sobre a vida. Eleva o conto de fadas moralista à condição de mito, agregando os valores deste. O ponto de revolução é a cabeça que morde o próprio rabo
A pedra que, até onde posso enxergar, Drummond queria evitar e diante da qual estacava impotente.

A COBRA MORDE O RABO (BA)

Sinopse:O espetáculo é baseado no conto O Velho, o Menino e o Burro, uma história de tradição oral, pertencente ao imaginário popular. A narrativa é feita pela figura do Cuíca de Santo Amaro, um repentista popular de Salvador dos anos 50, que nos conta a trajetória de três personagens: um velho, uma criança e um burro. Tais personagens percorrem uma longa rota., rumo ao mercado onde oferecerão suas galinhas, carregadas de gaiolas. Durante a caminhada, são seguidas vezes interrompidos para ouvir opiniões dos outros e, ao tentar segui-las, atrapalham-se cada vez mais.Essas complicações, que se sucedem num crescente, servem de pretexto para a abordagem central do espetáculo: as pressões sofridas pelos homens nas suas trajetórias de vida, suas esperanças, desilusões e expectativas. A vontade de agradar a todos, leva-os a atingir situações divertidas e até ridículas. Daí a opção estética de utilizar figuras de animais falantes para representar os humanos. Seguem-se imagens de forte conteúdo lírico e dramático. A cobra, ao morder o rabo, é a metáfora do ciclo da vida: o menino será o velho e o velho será o menino.

O Grupo:O Grupo A Roda surgiu em 1997, com o objetivo de estudar e pesquisar técnicas de manipulações de bonecos. Dois anos depois, nasce o espetáculo A Cobra Morde o Rabo, com bonecos inteiramente esculpidos em madeira, valendo-se de efeitos sonoros, através de percussão e do violino, para pontuar a história. As características de peso e volume dos bonecos, idealizados e esculpidos por Olga Gómez, determinam mecanismos específicos para sua manipulação.

Ficha Técnica:

Criação, adaptação e direção: Grupo Roda

Assessoria: Nehle Franke

Coordenação: Olga Gómez

Manipulação: Olga Gómez, Marcus Sampaio, Stella Carrozzo, Fábio Pinheiro e Marcus Villa

Concepção, pintura e construção dos bonecos e molduras: Olga Gómez

Direção musical: João OmarMúsicas: Loa e Vinde, Vinde Moços e Velhos (domínio público) referência Antonio Nóbrega

Músicos: Conceição Giba (Percussão), Nicodemos de Souza (violino)Desenho de Luz: Irma Vidal

Produção: Sérgio Sobreira

Procução executiva: Grupo A Roda

Contra-regras e apoio de manipulação: Eri Souza e Paulo Batistella

Operador de luz: Chico Prado

Projeto do balcão: Naia Alban e Moacyr Gramacho

Serralharia: Roberto e Beto Tosta Braga

Figurinos: Moacyr Gramacho

Costureira: Dora Moreira

Projeto gráfico: Marcus Sampaio