4.9.07

Os que desbravam, os que elucidam

Depois de tanto tempo longe das luzes da cidade volto a Salvador e não me sinto um cego agradecido por retomar a visão destes escolhos, andrajos elegantes, deslumbres inconseqüentes atados à ditadura da novidade. Não sou dos que militam contra o progresso, mas acho importante desconfiar dele. Meditar sobre o que perdemos em troca de facilidades tecnológicas.
Fico triste. Parece que nunca teremos outro Vermeer. Ele que soube aproveitar e entender tão bem a luz do dia através de uma janela como um toque que doura e dignifica o nível do facilmente digerível e perceptível e (claro) lúbrico, como tema e a penumbra que lhe fazia oposição e ocultava a gama de significados necessários ao mistério e à tudo que, por permanecer indecifrável, é o lugar de sobrevivência da arte.
Não é tão alegre acionar um interruptor e ver despejar-se agressivamente a luz amarela de uma lâmpada elétrica como era alegre, intimamente alegre, o acender dos candeeiros. Um ritual magnífico quando se levantavam os adultos todos juntos seguindo pelo corredor escuro. Logo uma luz mortiça na cozinha e o cheiro delicioso de querosene. Avançavam o corredor cada qual com seu candeeiro como uma procissão e depunham-nos sobre as mesas ou penduravam-lhes aos ganchos presos nos caibros do telhado. Sempre em silêncio ou murmúrio porque logo em seguida o radio faria soar a ave-maria.
Fico imaginando o que meditavam sobre a invenção dos candeeiros os acostumados à fricção do sílex.