17.2.08

Boneco

"O boneco é esse objeto abjeto que para viver extrai vida do ator que assim, irremediavelmente, fica desprovido de si, dividido, quando não lhe rouba também a voz. O boneco é esse ser vil que sempre que pode, suga energia de quem dele se aproxima e o toca. Se deixado de lado, ou afastado de seu público, vinga-se criando à sua volta uma aura de mistério, de expectativas e espera. Abandonado, desvia o olhar para bem longe, escondendo segredos. Quase sempre grosseiro, canhestro, em meio à risos nos tira a realidade e logo a devolve, em caricaturas. Mas há também ocasiões que sabe se fazer de delicado - muito sutil - sugerindo um mundo que as crianças e os poetas logo percebem, um mundo que as palavras não tocam, fantasia concretizada."
Ana Maria Amaral

16.2.08

Casa de ossos

Sopra o pó dos ossos há muito empilhados nos armários
Ordena-os em pares e dá-lhes nomes
assim, etiquetados sob seus vínculos
saiba-os em sua profusão
Cunha também teu nome em cada um deles
e os de todos eles nos teus próprios
Firma de crânios as valas sobre as quais
os fêmures disporás em colunatas
Trançarás vértebras para paredes
e sobre o teto os cabelos imorredouros
não permitirão à chuva molhar teu chão de metatarsos
Erguida tua casa de ossos
hás de morar nela tua eternidade
em paz com teus crimes
agora inteiramente úteis em sua finalidade.

O Hotel Literário

(repostagem inoportuna)

A senhoria recolhe os diários dos quartos recém vagos e pretende construir seu próprio diário a partir da leitura deles. Infelizmente ainda está em branco, ela teme que a própria criatividade deturpe idéias originais.
No seu empreendimento é possível alugar um quarto onde se possa ler e escrever. Há salas de leitura para os que não desejam escrever ou para os que não se ressentem da influência ou não temem ressentir-se e estão felizes em manter alguma identidade. Não há camas, apenas cadeiras, poltronas, sofás, tamboretes. Há namoradeiras e bancos de praça para os que preferem a democracia dos corredores. As long-cheses estão lá, mas ninguém mais as usa. Quando solicitaram um genuflexório a novidade tornou-se um ‘hit’ entre os jovens. Há também banheiras, criados-mudos e penteadeiras, mas não há espelhos. As paredes são cegas de janelas e apesar deste detalhe não é um lugar que prima pela discrição. Os amplos portais recebem uma fina gaze a separar os quartos dos corredores.
Os visitantes regularmente voltam ao hotel e retomam seus escritos. Quem o visita pela primeira vez encontra um diário em branco sobre a penteadeira, canetas, lápis, mata-borrões, grampeadores, perfuradores. Estão proibidos corretores líquidos e borrachas. Por um acréscimo na diária poderá dispor de uma máquina de escrever ou um gravador. O visitante abastado deve requisitar o estenógrafo com antecedência. A senhoria tem muita dificuldade em encontrar estenógrafos, os que lhe oferecem serviços são, na verdade, críticos literários falidos.
Papeis há de todo tipo na recepção, pergaminho e papiro além de pincéis, bico de pena e matrizes tipográficas. Alguns visitantes preferem fabricar seu próprio papel e para isso existe uma cozinha com tudo o que se necessita para tal. A maioria dos visitantes prefere os singelos diários e esferográficas.
Há algum tempo um rapaz solicitou um quarto e uma máquina de escrever. Hoje deve beirar sessenta anos, mas não abandona seu nicho. A senhoria reconhece seu modo monótono de escrever em meio ao martelar de teclas da ala destinada aos que gostam de escrever à máquina. A senhoria tem predileção por esta ala. È o lugar mais organizado, pois ela desculpa sua presença constante inventando quefazeres ali. Ninguém se lembra, mas ela foi professora de teoria musical.
Os diários não podem sair do hotel, amontoam-se nas prateleiras e forram todas as paredes. Os que não foram assinados recebem uma encadernação vermelha, são os mais procurados. Os datados não possuem chanfradura e acumulam pó.
Ao lado esquerdo do Hotel Literário existe uma funerária.

OFICINA DE ANIMAÇÃO - Vencendo a inércia

Toda matéria tende à inércia e vencer continuamente a inércia é um dos trabalhos do animador.


Dez anos atrás nos reunimos para a formação da companhia A Roda em torno das propostas estéticas de Olga Gomes e seus bonecos de madeira. Não foi fácil adaptar a experiência anterior com materiais flexíveis e leves e o tipo de animação que propunham, baseada em criar um peso inexistente, um efeito de gravidade que tornasse crível o ânimo daquelas estruturas onde o esforço estava basicamente em ‘aterrissar’, a estes novos objetos em madeira que agora precisavam ser ‘levitados’. A atitude anterior de ‘levitar aterrissando’ passou a ser ‘aterrissar levitando’. O ganho com esta troca de esforço ainda surpreende e é motivo de contínua investigação. Um dos ganhos (acredito o mais importante) é o da qualidade de concentração. Mover um objeto pesado (e articulado!) exige de forma definitiva, e até impositiva, uma grande concentração.


Instintivamente um nível maior de concentração é necessário para ‘não deixar cair’ um objeto pesado. O animador, consciente do seu objeto, e a qualidade dos gestos que venha a imprimir se beneficiam muito deste tipo de contenção. Resulta que a energia criativa para o gesto é pouco desperdiçada.

Os mecanismos para se alcançar um nível interessante de concentração para determinado exercício são totalmente pessoais. Entre as tarefas que assumi na oficina está a de fazer com que cada um tivesse a oportunidade de perceber em que nível de concentração se encontra, de entender quais são seus mecanismos de concentração (e também de dispersão) a partir de exercícios lúdicos com objetos que seriam ‘lançados-agarrados’ ou ‘transferidos-recuperados’.


Parti do pressuposto de que os significados que os bonecos e objetos construídos por Olga Gomes agregam, e suas especificidades, poderiam ser um entrave para a percepção do que ocorre na atitude do animador. A riqueza destes conteúdos e a estranheza de bonecos tão diferentes entre si gerariam uma dispersão improdutiva para tratar de concentração e consciência corporal num primeiro momento. É muito difícil ver um boneco e não se colocar imediatamente na atitude passiva de espectador.


Decidi que os objetos para tais exercícios deveriam ser igualmente básicos e limitados, facilmente controláveis e reconhecíveis e de manuseio previamente experimentado por qualquer um na oficina: bolas e bastões. Pretendo estender as considerações sobre os exercícios com estes objetos, mas vou destacar um exemplo:
No exercício muito simples em que uma grande roda é formada com todos voltados para dentro concentrados na bola que seguram com ambas as mãos, fazê-la quicar com a freqüência que se estabelece pelo modo como se alterna esse movimento entre os participantes, promove a percepção do nível pessoal de concentração e a utilização imprescindível da visão periférica utilizada apenas instintivamente em situações cotidianas (É importante desenvolver este campo da visão para reagir e planejar o conjunto de ações sem que o espectador perceba que intenções serão impressas no objeto). Variações cada vez mais complexas deste exercício agregam valores cada vez mais complexos.

A repetição dos gestos necessários para a ação normalmente os torna mecânicos, deixando espaço na mente do animador para ampliar sua sutileza e seus significados. No entanto se a concentração não se mantém a mecanização não será produtiva tornando qualquer gesto banal. São colocações bastante óbvias, mas por óbvias não as considero desprezíveis.

A matéria da animação é justamente a condução de conteúdos e como eles passeiam entre o óbvio e o oculto. Sendo o teatro de animação também um prazer estético o que está obviado deverá ser constantemente posto à prova.

A transcrição dos trabalhos na oficina me parece necessária mesmo sabendo que estará sempre aquém do que realmente ocorre.
Não existe uma metodologia para o teatro de animação, pelo menos não uma metodologia definitiva. Mesmo um pequeno recorte (como no caso: manipulação direta com bonecos de madeira) apresenta um universo de possibilidades impossível de ser contido e constitui um dos segredos do que o mantém como algo interessante de ser exercitado e investigado. De qualquer forma é muito triste esgotar um assunto. Seria isso realizar uma obra?
Em 1972, em seu ‘Decameron’, Píer Paolo Passolini indaga: “Por que realizar uma obra se é tão belo apenas sonhá-la?” E aqui me parece haver um temor pelo destino daquilo que se constitui.


Espero continuar arriscando fazer estas considerações a respeito de nossa oficina e que disso tire algum proveito quem delas se aproximar.
Os trabalhos diários foram divididos em: aquecimento, dinâmica de grupo (com estes exercícios de auto-persepção e avaliação básica do gesto e concentração exigida para ele), trabalho com os bonecos construídos por Olga (o objeto do estudo de animação que qualifica especificamente a oficina), conversas e avaliações no final de um turno de quatro horas. Ainda temos pela frente três semanas que esperamos serem suficientes para apresentar esquetes interessantes como resultado.

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Oficina de animação 1

Oficina de animação 2

Oficina de animação 3

12.2.08

Lista das coisas que me emocionam isoladas e em seu conjunto

repostagem redefinida e talvez infinda




Um quintal silencioso e coberto de sombras tristes no final da tarde.
Olhar por sobre os três muros dos meus limites outros três tristes quintais.

Tudo o que respeita a tristeza e o silêncio do final da tarde.

Conversas sussurradas e distantes sem pressa de estar em outro lugar.
Tudo o que é feito sem o tempo.

Um jardim descuidado onde as folhas se acumulam.
Uma folha amarela pousada em qualquer lugar, dignificando-o.


Rostos de leões nos frontispícios num eterno rugir de alvenaria.

O barulho das cigarras.
O tilic-tic dos bilrros de minha avó pela manhã, os mistérios gozozos entre seus dedos ás seis da tarde.
Chuva e o avião que passa na madrugada.
Barulho de amassar o papel fino da carta inacabada.


Escadas estreitas de madeira.

Sentar nos seus degraus.

Desde o telhado, atraves de uma clarabóia, ver uma pessoa dormindo coberta de chenil.

Chão de madeira recém encerado com cera vermelha.

O cheiro da cera vermelha.
Passar entre as contas de vidro da cortina que mistifica a cozinha.
Bibelôs de louça com cores doces sobre móveis de madeira escura.

Vê-los pela janela desde aquí fora.

Saber que vai chover logo mais à noite.
Abrir o livro novo.
O olhar de quem acabou de fechar um livro.



Escrever listas de coisas percebidas enquanto vivas.

11.2.08

As Origens do Cinema

primeira parte


segunda parte


Primeiro capítulo do livro-DVD: O MUNDO MÁGICO DO CINEMA de JOSÉ NELSON, dividido em duas partes, aborda a projeção de sombras desde a pré-história até os sofisticados espetáculos do Chat Noir de Paris.
www.jose-nelson.com
ORKUT - JOSÉ NELSON: http://www.orkut.com/Community.aspx?c...

8.2.08

O Suspiro

por Elaine Santana


O suspiro é uma tentativa última do organismo de tirar do coração a amargura que aflige o ser.
A respiração profunda absorve todo o ar possível para tentar envolver todo o motivo que faz cair às lágrimas. É um vento que entra pelas narinas. É muito mais que ar. Circula os pulmões e varre tudo. Tenta trazer para fora os carrapatos que sugam a energia vital do indivíduo. Procuram desesperadamente a tal da amargura, bichinho tinhoso que se esconde nos cantinhos aonde o suspiro não vai. Ás vezes chega a tocar as mãos dela, mas agarrar e trazer para fora que é bom... nada!
Amargura é um troço que quase todo o coração tem. Uns escondem com um tapete bonito. Porque ás vezes parece até chiclete; gruda de um jeito que pra sair... ave! Que trabalho!
E são todas diferentes. Cada uma com suas origens. Que nem as pessoas. A minha é engraçada. Pouca gente tem, eu acho (o ser humano tem mania de dizer que o seu problema é único, que ninguém sofre mais no mundo, só ele. Então, como eu também sou humano, acho mesmo que ninguém mais tem). Talvez por isso também esse texto nunca seja apreciado. Ninguém se identificaria com ele.
Minha amargura foi crescer. É. Crescer. Difícil. E complicado.
Eu não tinha medo antes disso acontecer, sabe? Mas quando aconteceu eu não gostei. Preferia ficar no “ralf” em Teofilândia...







3.2.08

Cia Gente Falante

Documentário de curta metragem realizado por estudantes do curso de Produção Audiovisual da PUCRS.

Acompanhe a história de quinze anos da Cia Gente Falante de teatro de formas animadas, uma liguagem teatral que engloba teatro de bonecos, teatro de sombras e teatro de figuras, técnicas de atuação e narrativa já existentes desde muito tempo antes da invenção do próprio cinema.

primeira parte


segunda parte



Duração: 20 minutos em duas partes.

Direção: Ruyter Duarte
Produção: Dado Romagna
Fotografia: Dado Romagna
Edição: Eduardo Oliveira
Diretora Assistente e
Assistente de Edição: Priscila Velho
Assistente de Produção: Gabriela Ribeiro
Som Direto: Jeferson Silva