11.12.10

Uns prazeres táteis




Possivelmente alguém cego poderia falar com mais propriedade sobre estes prazeres. Tenho cá também minhas necessidades agudas.

O papel é permanentemente marcado pela ação; mesmo triturado e voltando a ser papel não pode negar suas transformações (um origame, pelo menos nas propostas menos contemporâneas, não pode ter uma dobra indesejável).

Gosto do papel áspero, de sua obediência, não posso me queixar dos calos nos dedos. Os papéis mais lisos, desafetos da modelagem, exigem melhor instrumentação: refilar com estilete é um evento marcial, mas aí também, por ressentimento, o papel vez ou outra fere a carne. O papel gosta dos líquidos, um registro atávico desde a madeira. A madeira, como o papel, oferece algo de doce ao toque, e, claro, é preciso aturar algumas farpas.

Quando o serrote fere a tábua ela desprende um cheiro forte.

No interior do Pará as casas pobres são construídas com madeira verde na época de pouca chuva. Vêm as chuvas e quando volta o tempo bom as paredes se entortam sob o Sol e as casas tomam um aspecto de criaturas agonizantes.

A presença da madeira e do papel é diferente da presença de qualquer outro material, são familiares.

"A madeira por exemplo, tão procurada por nostalgia afetiva uma vez que tira sua substância da terra, vive, respira, trabalha. Tem seu calor latente, reflete simplesmente como o vidro, queima pelo interior; conserva o tempo com suas fibras, é continente ideal já que todo conteúdo é algo que se quer subtrair ao tempo. A madeira tem seu odor, envelhece, tem mesmo seus parasitas, etc. Enfim, este material é um ser". (Baudrillard, 2006, p.44)

Quando conhecí Olga Gomez, que esculpe os bonecos dos espetáculos d'A Roda em madeira (principalmente cedro), estranhei suas mãos muito delicadas. Estava acostumado a ver mãos de marceneiros e entalhadores embrutecidas pelo trato com a madeira, cheias de calos e veias saltadas. Perguntei sobre isso e ela responteu algo como " depende da intenção com que se avança sobre a matéria".