29.8.07

O Jardim Selvagem

Quero muito poder um dia reunir minhas anotações sobre as relações do caboclo amazônico com as plantas. São mitos e costumes extraordinários.

Lavadas as carnes vermelhas o enxágüe era reservado para com ele serem regadas certas plantas. A ‘jibóia’, a ‘jiboínha’, o ‘tajá’. A planta ‘curada’ desenvolvia o poder de materializar, à noite, uma jibóia ou de criar a imagem de uma jibóia para afastar intrusos. A imagem de um homem ou preto-velho também poderia ser criada por estas plantas. Caso a planta, depois de curada, de receber pela primeira vez a água com sangue, não recebesse constantemente esse tratamento, ela se voltaria contra os donos da casa, não mais os protegendo de intrusos ou atraindo má-sorte. Depois de iniciado o encantamento era necessário manter a ‘obrigação’.
Minha avó paterna mudava de casa levando suas plantas. O caminhão de mudanças parecia um jardim móvel. Nas casas o jardim ocupava o pátio e as laterais da casa. Vasos, latas de manteiga, vasilhas plásticas, baldes tudo em desordem. Plantas sustentando plantas num arranjo caótico. As samambaias e avencas em profusão. Roseiras, crótons e bananeiras.
Entre os talos das palmas da bananeira ali eram depositados nossos cabelos cortados para voltarem a crescer mais saldáveis. As graxas, que lá se chamavam pampolhas, cresciam próximas à cerca ou substituíam parte dela. A roseira-de-cacho entremeava-se aos gradis das janelas deixando as casas da minha infância estavam sempre em penumbra. Lembro de deitar folhas de papel ao chão e desenhar as silhuetas das plantas que se projetavam desde as janelas.

Gosto das lendas indígenas que falam da metamorfoses de seres humanos em plantas. Dentre as muitas que ouví das bocas de minhas avós e tias antes mesmo de conhecer o mito de Narciso e Eco, que também adoro, está a do Tamba-Taja.

'Havia um índio que, por muito amar sua esposa, levava-a sempre consigo para todo lugar, fosse para caçar, pescar ou lutar. Certa vez, o índio teve que ir para a guerra, mas a esposa estava doente, sem poder andar. Não querendo separar-se de sua amada, ele fez um saco com folhas de bananeira, para carregá-la nas costas. Durante o combate, sua amada foi ferida e morreu. O índio, desesperado de amor, enterrou-se junto com ela. No lugar onde jaziam seus corpos, nasceu um tajá diferente, pois atrás de cada grande folha verde da planta nascia uma pequena folha de forma vaginal. Renasciam assim os amantes, unidos novamente para sempre'.


Waldemar Enrique (1905-1995) compôs 'Tamba-Tajá'

Tamba-tajá me faz feliz
que meu amor me queira bem
que meu amor seja só meu
de mais ninguém
que seja meu,todinho meu,
de mais ninguém.
Tamba tajá me faz feliz...
Assim o índio carregou sua macuxi
para o roçado, para a guerra, para a morte...
assim carregue o nosso amor a boa sorte...
Tamba-tajá me faz feliz...
Que mais ninguém possa beijar o que beijei
que mais ninguém escute aquilo que escutei
nem possa olhar dentro dos olhos que olhei.
Tamba-tajá
Tamba-tajá

Para ouvir ou baixar em mp3 a composição executada no 1° Encontro Nacional de harpistas clique aquí.
E aquí, pelo youtube, uma homenagem a Waldemar Henrique pela Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz tendo Mateus Araújo como rejente.