29.7.08

O Senhor das Moscas





Recomendo assistir ao filme de Harry Hook e a leitura de “O Senhor das moscas” de William Golding, principalmente para aqueles que garantem primeiro os direitos, para depois exigir deveres.



"As flies to wanton boys, are we to the gods, — They kill us for their sport"
W. Shakespeare - Rei Lear:Ato IV, cena I

"A charneca. Entra Edgar.

EDGAR — Melhor assim: saber que é desprezado do que sê-lo sob capa de lisonja. O mais ínfimo ser, com mais desprezo tratado pela sorte, ainda conserva certa esperança e vive sem temores. Só muda para pior o que é perfeito; o pior volta à alegria. Sê bem-vindo, portanto, ar impalpável que respiro! O infeliz que jogaste tão por baixo a essas tuas rajadas nada deve. Mas quem vem vindo aí? (Entra Gloster, conduzido por um velho.) Como! Meu pai, trazido por um pobre? Ó mundo! mundo! Sem tuas mutações inesperadas que nos levam a odiar-te, nunca a vida chegara até à velhice.
O VELHO — Ó bom senhor, de vosso pai e vosso fui rendeiro por volta de oitenta anos.
GLOSTER — Bem; retira-te, bondoso amigo. Vai-te. Teus consolos bem algum me farão, mas poderiam prejudicar-te.
O VELHO — Não vereis a estrada.
GLOSTER — Não tenho estrada; não preciso de olhos. Tropecei, quando via. Muitas vezes já se tem visto o bem-estar deixar-nos preocupados e a necessidade redundar em proveito. Ó meu querido filho Edgar, alimento da iludida cólera de teu pai, se eu tiver vida para te ver ainda, pelo tato, direi que achei os olhos.
O VELHO — Quem vem lá?
EDGAR (à parte) — Oh deuses! Quem diria: “Não é possível chegar a pior estado!” Nunca estive em piores condições.
O VELHO — É Tom, o louco.
EDGAR (à parte) — E mais ainda poderei descer. Nunca sofremos o pior, enquanto dizer podemos: “Isto é o pior de tudo”.
O VELHO — Para onde vais, amigo?
GLOSTER — É algum pedinte?
O VELHO — Pedinte, a um tempo, e louco.
GLOSTER — Um pouco de razão ainda conserva, sem o que mendigar não poderia. Na noite que passou, da tempestade, vi um sujeito assim, que ao pensamento me trouxe que o homem não é mais que um verme. Lembrei-me de meu filho, muito embora dificilmente, então, amigo dele meu espírito fosse. Depois disso aprendi muito. O que para os garotos são as moscas, nós somos para os deuses: matam-nos por brinquedo.
EDGAR (à parte) — Que é que importa tudo isso? Triste é a profissão que obriga a zombar da desgraça, para incômodo de si próprio e dos outros. (A Gloster.) Salve, mestre!
GLOSTER — É o tal mendigo nu?
O VELHO — Ele, milorde.
GLOSTER — Por favor, então deixa-me. Se acaso quiseres, por amor de mim, buscar-nos daqui a uma milha ou duas, no caminho de Dover, faze-o por antigo afeto, e traze roupa para esta alma nua, a quem vou explicar que me conduza.
O VELHO — Oh senhor! Ele é louco!
GLOSTER — Esse é o castigo do tempo, conduzir ao cego o louco. Faze o que eu disse, ou faze o que quiseres; mas, sobretudo, vai-te.
O VELHO — Vou dar-lhe a minha melhor roupa, venha-me disso seja o que for. (Sai.)
GLOSTER — Eh! Homem nu!
EDGAR — O pobre Tom tem frio. (À parte.) É-me impossível fingir mais tempo.
GLOSTER — Vem aqui, amigo.
EDGAR (à parte) — Mas é preciso. — Abençoados sejam teus doces olhos, pois estão sangrando.
GLOSTER — Conheces o caminho para Dover?
EDGAR — Cancelas e porteiras, caminhos de cavalo e de pé. Espantaram o espírito do pobre Tom. Filho do homem pio. Deus te preserve do demônio impuro. Cinco demônios entraram a um só tempo no pobre Tom: Obidicut, o demônio da luxúria; Obbididance, príncipe do mutismo; Mahu, do roubo; Modo, do homicídio; e Flibbertigibbet, das caretas e contorções, que desde então deixou possessas as criadas e governantes. Salve, portanto, mestre!
GLOSTER — Fica com esta bolsa, ó tu, que as pragas do céu aos golpes todos humilharam. Minha desgraça mais feliz te deixa. Procedei sempre assim, ó céus! Que o homem saturado de bens e de prazeres que deixa subservientes vossas máximas e nada vê porque não sente nada, sinta depressa toda vossa força. A divisão, assim, destrói o excesso, tocando a todo o mundo alguma coisa. Conheces Dover?
EDGAR — Sim, conheço, mestre.
GLOSTER — Lá se encontra um penhasco de cabeça alta e inclinada, que olha com receio para o abismo horroroso. Vamos; leva-me até ao rebordo dele, que hei de a tua miséria remediar com algum objeto de valor que ora trago. Daí em diante dispensarei teus passos.
EDGAR — Dá-me o braço; o pobre Tom vai te servir de guia.
(Saem.)"


Sinopse do filme

"Esta assustadora aventura explora os recantos mais profundos e negros da alma humana, através de um grupo de adolescentes náufragos, que é empurrado para um mundo intenso onde a lei e a responsabilidade são governadas pelas regras da sobrevivência. Depois de um terrível acidente de avião em pleno mar, um grupo de cadetes militares americanos vê-se perdido numa ilha deserta. Apercebendo-se das escassas hipóteses de serem socorridos, os rapazes juntam-se para fazer frente ao medo e ao desespero. Mas à medida que a ilha paradisíaca se vai tornando deles, a competição e a luta pelo poder divide-os em dois grupos. Ralph (Balthazar Getty) lidera um dos grupos e defende a pureza civilizada e a união, mas Jack (Chris Furrh) não acredita em nada disso e cria uma facção de caçadores bárbaros que acabam por entrar numa guerra com Ralph. Estas alterações colossais transformam crianças normais em assassinos cruéis, fazendo com que entrem numa guerra de vontades que vai opor o bem contra o mal, oferecendo uma cruel metáfora do selvagem em todos nós. "


28.7.08

L'Oratorio d'Aurélia



Dia 03 de agosto L´ORATORIO D´AURÉLIA chega a Salvador, no encerramento da sua turnê nacional, para duas apresentações especiais no Teatro Castro Alves, uma delas dentro do projeto Domingo no TCA.
O espetáculo foi concebido em 2003 por Victoria Thiérrée Chaplin e Aurélia Thiérrée, respectivamente filha e neta de Charlie Chaplin.

Horário: 11h e 19h

Ingressos (inteira): R$ 1 – compra individual no dia do espetáculo, a partir das 9 horas no TCA, com acesso imediato do público (11h) e R$ 60 e R$ 30 (19h)

Conversas plugadas dia 28 às 19h , informações no TCA

22.7.08

Onde és todo

Saudade da tua presença.
Saudade de cada linha da tua forma.
Onde vecê dobra, onde estica
e do que se desloca se te moves.
Saudade do lugar onde os teus músculos prênseis me aceitam.
Saudade até dos gestos em intenção do que me exclui.

21.7.08

Fausto de Murnau

Olha só esse documentário sobre o Fausto de Murnau ( tem mais seis vídeos na continuação). Todo ser humano angustiado por natureza um dia se depara com Fausto. Os bonequeiros adoram.

'Fausto' de Jan Švankmajer's

Falando em Fausto lembrei deste filme que assistí numa noite em Brasília onde muitos pactos são feitos. Já conhecia outros trabalhos em 'stop motion' dele. Vale a pena procurá-los no youtube.

20.7.08

Das Helmi em Salvador agora que assistí

Assistí ontem ao Fausto do Das Helmi. Muito divertida a proposta. Não ofende o texto. Duvida um pouco da capacidade de percepção do brasileiro ( como diz a 'Frente em defesa da Cultura Catarinense' na postagem anterior só que lá cúmplice da proposta ). Gostei mas fica aquela pergunta de quase sempre: por que bonecos?

Encenação interessante foi feita aquí com a direção de Daniel Guerra, recém formado no curso da Ufba, elenco também de formandos e a participação de André Rosa no papel de Fausto, todo em gramelô e jogos corporais fascinantes. Ficou pouco em cartaz por ser uma mostra ligada ao curso mas tenho essas imagens:
























Assistencia de direção: Maecelle Pamponet
Design sonoro: Laura Franco
Luz: Pedro Rodrigues
Figurino e maquiagem: Tarcisio Almeida


'O mito de Fausto, a obra Fausto de Goethe e o seu pensamento

O mito do doutor Fausto é uma das lendas clássicas mais importantes da civilização ocidental. Oto Maria Carpeaux no prefácio da tradução de Antônio Feliciano de Castilho da obra Fausto coloca que Fausto é figura histórica. Viveu na Alemanha no começo do século XVI, numa época das superstições mais estranhas, ganhando a vida exercendo a profissão de astrólogo e necromante. Existem documentos relativos à sua pessoa – recibos de pagamento por ter feito horóscopos e coisas assim – mas não deixou vestígio algum de grande sabedoria ou de qualquer obra notável. Por motivos que ignoramos cresceu em torno de Fausto uma lenda fabulosa de milagres que ele teria realizado, e disso uma criatura humana só é capaz, conforme as convicções da época, com a ajuda do diabo. Por volta de 1520, em plena Renascença, Fausto ainda é um mago admirável. Por volta de 1580, depois da vitória do protestantismo e na época das guerras de religião, Fausto já é transformado em famoso teólogo que, por meio de um pacto, vendeu a alma ao diabo para gozar os prazeres vergonhosos deste mundo e, tendo expirado o prazo, ser levado pelo demônio. As primeiras histórias contando os feitos de Fausto datam do século XVI, quando Johann Spiess escreveu “Faustbuch” (1587) e Cristopher Marlowe escreveu “A história trágica do doutor Fausto” (1592). Desde então a lenda de Fausto tem sido contada várias vezes e traduzida em diversas línguas. Além dos livros, ela tem inspirado filmes e óperas, fazendo de Fausto um dos heróis mais populares dos últimos 400 anos.
No livro Deus e o Diabo no Fausto de Goethe Haroldo de Campos coloca que o poeta alemão Johann Wolfgang Goethe escreveu entre 1770 e 1832 umas das mais sofisticadas versões da história de Fausto. Goethe iniciou o seu trabalho quando tinha 21 anos e só considerou concluído aos 62 anos. Nas versões mais primitivas do mito de Fausto, antes de Goethe, este personagem foi representado como um homem ambicioso que tinha vendido a sua alma para o diabo em troca de certos bens como dinheiro, sexo, fama e glória. No entanto, na obra de Goethe, Fausto possui um ideal mais nobre e altruístico, o sonho de libertar a humanidade do sofrimento e da dor. O personagem de Goethe é animado pelo sonho da modernização e do progresso, reunindo assim o ideal romântico de desenvolvimento com o ideal épico de uma nova ordem e de uma nova sociedade construídas a partir de nada, através do planejamento e da aplicação de uma racionalidade superior. A fim de criar o seu admirável mundo novo, Fausto vende a sua alma em troca do acesso irrestrito ao conhecimento, à racionalidade superior e à sabedoria.
A respeito da obra Fausto de Goethe Oto Maria Carpeaux comenta: “É a obra mais complexa do mundo, mistura incrível de todos os estilos, e isso se explica só pela maneira como foi escrita a obra, durante 60 anos, acompanhando e exprimindo todas as mudanças estilísticas e filosóficas dessa longa vida literária” (pág. 6 e 7). Com efeito, Fausto é a Divina Comédia dos tempos modernos. Goethe é o Dante Aligheri moderno. Assim como o grande florentino, o poeta alemão dispunha do saber enciclopédico da sua época, resumindo poeticamente todos os sentimentos e pensamentos do homem moderno – Dante, o herói invisível da Divina Comédia, resumira todos os sentimentos e pensamentos do homem medieval. Os alemães costumam ler o Fausto folheando comentários eruditos que lhes explicam as alusões científicas, citações disfarçadas, sentidos ocultos – e quanto mais comentários, tanto mais se estabelece a convicção geral: Fausto é uma obra muito difícil.'

Felipe dos Santos Matias
Graduando em Letras
Universidade Federal de Viçosa
lippem@yahoo.com
Querendo ler o trabalho de Felipe dos Santos Matias, "INTERTEXTUALIDADE: a presença da obra Fausto de Goethe no conto “A igreja do diabo” de Machado de Assis", na íntegra clica aquí.
Na revista digital 'A Criação' Fábio de Oliveira Ribeiro discorre mais especificamente sobre o Fausto histórico e 'arrisca' a idéia do Fausto autobiográfico em Goethe. Deveras? Clica aquí.

19.7.08

Kulturfest, Fausto em Salvador

Nos dias 18 e 19 de julho, o grupo alemão de teatro "Das Helmi" encena uma versão inovadora de Fausto de Goethe. Música ao vivo, mistura tragédia e comédia e reinventa a tradição de teatro de bonecos e do cabaré alemão, com a participação especial da cantora alemã Cora Frost e da atriz Isabella Parkinson.

"Sobre a montagem de Fausto:
Por um lado deve estar óbvio nesta encenação o aspecto tipicamente alemão do Fausto. Deve ficar nítido algo da preocupação, da fidalguia e do pecado original, do medo frente às mulheres. Por outro lado o enredo deve ser multicolorido, como um melodrama, como uma telenovela (Mefisto seduz Fausto, Fausto seduz Gretchen, Gretchen envenena sua mãe. Fausto esfaqueia o irmão dela. Gretchen afoga seu filho.) Um choque dialético de opostos pode servir como fonte de idéias : o teórico arrogante que se depara com a vida real , a Alemanha em confronto com o Brasil, o turista alemão com vigaristas brasileiros, o indivíduo racional com sua sexualidade reprimida, o Fausto provinciano e conservador com o Mefisto das ruas, o fanático pelas estruturas com o irresponsável. Também o capitalista com o ingênuo.Um espetáculo onde estaremos trabalhando com os estereótipos de ambas as culturas. Na música também a mixagem das culturas: canções alemãs [aquelas que se cantam nos bares e festas tradicionais da cerveja) aos ritmos do samba e pagodes. As invocações dos espíritos, "pontos" e canções de candomblé , capoeira da Angola e outras canções alemãs. O amor, em versões de famosas musicas românticas em alemão...Uma narrativa sem legendas, atrativa e compreensível para um público brasileiro, mas não ocultando ou negando a origem alemã, mas, ao contrário, destacando elementos e detalhes tipicamente alemães.Uma versão do Fausto de Goethe, com musica ao vivo, misturando tragédia e comédia, reinventando a tradição do Cabaré Alemão. Atores, bonecos e músicos, poesia e rock reinventando a mais tradicional e conhecida obra da literatura alemã."
Dia 19, sábado o grupo, "Das Helmi" apresenta, às 15h, o espetáculo infantil "O Príncipe Sapo", um dos clássicos dos Irmãos Grimm. "O príncipe sapo" do grupo "Das Helmi" é apaixonante, com muita música, bonecos e brincadeira.

O Das Helmi é um grupo de teatro que trabalha com atores e bonecos e desenvolveu desde 2002 - quando o grupo surgiu e fazia apresentações em uma praça de Berlin chamada Helmholtzplatz - uma forma e um estilo de trabalho muito especial e peculiar.Sempre trabalhando com música ao vivo, mais do que contar historias ou manipular com maestria bonecos, eles criam uma atmosfera bastante envolvente e cercada de uma grande energia e sempre apropriando-se de elementos da realidade que os cerca. No ano de 2007 o grupo Das Helmi ganhou no Impulse Festival o premio do "teatro livre da Alemanha".O grupo é formado por três integrantes: Florian Loycke, Brian Morrow e Emir Tebatebai.

Depois de Salvador, o Kulturfest Itinerante segue para Fortaleza, a partir do dia 23 de julho./