7.12.06

A segunda híbris


A incógnita me burla onde quer que eu possa suspeitá-la. Assim que a percebo na sombra dos móveis ela se torna uma meia, camisa torcida, um trapo, qualquer coisa que expresse inocência fingida. Ela também se oculta nas novas manchas da parede depois da chuva. Se infiltra nos recôndidos, me aguarda num cesto. Mimetiza-se entre os pêssegos recém colhidos ou na tapeçaria pendurada no vão das portas. O que resguarda a memória do tronco de uma árvore alí ela se enrosca em volutas atávicas de quem há muito só sabe tocar as coisas com o todo de seu corpo. Pendura sua cabeça triangulada como o fiel da balança; assim todos os pêndulos me assustam como se ela os possuísse. Ela está na maneira como os líquidos viscosos se derramam. Ela mesma derrama-se em queda surda. O ar suspenso em meus pulmões ajuda-me na petrificação diante de sua sinuosidade. Só assim percebo-a além de sua contenção; fugindo à sua constrição. Petrificar-se é adormecer e também estar alerta à sua especificidade contínua, contígua.




foto: Luiz Felipe

Flutuações no Liperama

Luiz Felipe é mais um fotógrago que não encherga bem com os óculos, a câmera lhe é suficiente para ver mais (até de si mesmo).




Felipe fotografou algumas de nossas esculturas em papel ( logo poderão ser vistas no 'Papel pra toda obra' e no 'Calunga') , fiz uma visita ao seu blog 'Liperama'. A mensagem flutuante no casco me levou às lágrimas. A imagem às 'margens da palavra'. A vau à um triz de onde o fotógrafo vê infalível, é tudo ilusão.

O fotógrafo e a longa sombra

29.10.06

Naufrágios e resgates

Veja, um domingo chuvoso e arrisco ligar a televisão para me deparar com O Náufrago, uma overdose de Tom Hanks, mas, como acontece com qualquer náufrago, não existe opção. O tema me atrai de tal forma que consigo abstrair o ator e a dublagem ruim. A abordagem de Robert Zemeckis consegue tratar do assundo melhor que Randal Kleiser no açucarado A Lagoa Azul. O detalhe da imitação de deus na criação do amigo imaginário apartir de uma bola de barquete e sangue é mais eficiente que o racismo em Robinson Crusoé ( mas o casal de A Lagoa azul resolve ficar), que busca sempre coisificar Sexta-feira, assim como Calibã por Próspero, mas nesse último caso a relação é entre alienígena e indígena. Em Robinsson Crusoé ambos são náufragos.
Gosto do mar, esse íntimo desconhecido e sinto muitas vezes que ele nos fala de nossa solidão, nos parece dizer o tempo todo, como de alguma forma fez Gil uma vez , ninguém nos acompanha no nosso caminho inevitável para a morte. Nossa auto-consciência nos torna solitários.
Ninguém é mais que uma ilha. E isso pode ser observado sempre em qualquer obra sobre naufrágio onde, durante o resgate, o náufrago sempre lança um último olhar para o lugar que foi aparentemente uma prisão, onde não havia a opção da liberdade mas constituiu nele uma idéia clara de seu significado.
Passei uma vez por experiência parecida. Um isolamento forçado no meio da mata amazônica. Obviamente a água é um isolador irremediável, em ambos os casos contamos com um resgate mas no mato estamos mais incentivados a buscar uma saída com nossos próprios recursos, o continente nos possibolita lançarmo-nos ao mundo. O continente nos propõe pertencimento. A ilha é um sistema frágil. Nas mitologias de ilhéus há sempre a promessa de um dia retornar ao continente, à terra sem males, ao Paraíso Perdido, etc. Como continetais nos entendemos inconclusos e buscamos a vida que nos compõe continuamente. Estar ilhado nos isenta do pertencimento, sem o outro pra nos dizer o que somos, o que somos? E acredito ser isso algo importante de ser experimentado. Mesmo retornando ao que nos acostumamos, ao discurso implantado do ser social haverá aquele olhar lançado ao lugar de coisas insuspeitadas.
Me lembro agora da cena de O Piano onde a personagem se lança ao mar ancorada ao seu instrumento de comunicação. As nossas insondáveis verdades abissais sempre nos chamam, como sereias, com um canto muito mais potente que qulquer discurso salvador que o outro propõe. Findo o fime saio para exercer meu direito ao voto obrigatório.

15.10.06

Última mensagem antes de atravessar o beco vertical

Da altura que me vejo só é presente a distância
há histórias no itinerário até o chão
vilezas solitárias se interpõem
totens bizarros
claro-escuro às avessas em que a luz
se esparrama ao fundo
o cimo lúgubre me abriga
a vida passa distante,
sóbria e inútil

6.10.06

Mensagens em garrafas com destino preciso

ninguém é mais que a espera
num porto de partida
ninguém é mais que o anzol
entre o peixe e a isca
no lamarão que bordeja
entre o gôzo e o ataúde
ninguém é mais que uma vida
entre a gávea e a quilha
entre o leme e o timão
ninguém é mais que uma ilha
somos destroços de antigos naufrágios. Vagas aglomeram-nos nestas regiões abissais onde soldam-se aos mecânicos os orgânicos em ensaios híbridos terríficos. Usinas metamórficas do abismo
duas bolhas já se consideram espuma
essa é a concha partida
que preserva a lembrança de quando não me contive
esta areia que arremeda húmida uma antiga concisão constrói desconstruindo
a morada que hoje me abriga
libertar-me foi perder-me
fere-me os pés essa praia de conchas quebradas
livre de traduções alheias não há nácar que me reflita e vivo no opalescer de nada me constatar existindo
sem contenções espráio-me indefinido
sou um eterno regorgitar de bolhas na espuma
minha história contei ferindo a areia
nada sobrevive à contingência das marés
sobre os abismos passa a barca em suas flutuações
aríete de desbravar portais aquosos
esta é a minha barca
este é o timão partido que já não a conduz
a quilha hoje cega e rombuda não corta as águas
o leme gira sobre si mesmo
minha barca de tanto mar criou uma cauda de peixe
não mais afunda o que não quer flutuar
o mascarão já não aponta mas delira
não há distinção entre céu e mar
as estrelas só brilham por brilhar
meu sextante é peso para papéis
que querem fugir com o vento
sopra o pó dos ossos há muito empilhados nos armários
ordena-os em pares e dá-lhes nomes
assim, etiquetados sob seus vínculos
saiba-os em sua profusão
cunha também teu nome em cada um deles
e os de todos eles nos teus próprios
firma de crâneos as valas sobre as quais
os fêmures disporás em colunatas
trançarás vertebras para paredes
e sobre o teto os cabelos imorredouros
não permitirão à chuva molhar teu chão de metatarsos
erguida tua casa de ossos
has de morar nela tua eternidade
em paz com teus crimes
agora inteiramente úteis em sua finalidade
um punhal de lenda fere fundo a história que hoje expia
o que calou na garganta dos esquecidos
atingindo sua pena de dourar páginas

17.9.06

I Semana de Estudos sobre Teatro de Animação

Teatro de AnimaçãoPonto de Cultura Anima Bonecos promove a I Semana de Estudos sobre Teatro de Animação em Rio do Sul/SC. Pontos da região sul terão hospedagem e alimentação gratuitosO Ponto de Cultura Anima Bonecos de Rio do Sul, Santa Catarina, realizará de 24 a 28 de outubro a I Semana de Estudos sobre Teatro de Animação. O encontro reunirá bonequeiros de Santa Catarina, além de estudantes de artes cênicas e demais interessados. A programação conta com oficinas, debates e apresentações culturais. Será oferecido auxílio de hospedagem e de alimentação para Pontos de Cultura da região sul que estejam interessados em participar do evento. Cada Ponto deve inscrever um integrante. Durante a semana, serão realizadas duas oficinas: Curso de Mecanismo de Articulações para Bonecos, ministrado por Paulo Nazareno para profissionais que já constroem bonecos e Discussões sobre Dramaturgias para Teatro de Bonecos e Linguagens, ministrada pelo professores Valmor Beltrame (Nini) e Maria de Fátima Moretti (Sassá) e pelo ator e diretor Luiz André Cherubini. A programação conta ainda com apresentações de grupos de Santa Catarina, além de espetáculos convidados como os de Sérgio Mercúrio, da Argentina, Grupo Sobrevento, de São Paulo, Cia Alexandre Boccanera, do Rio de Janeiro e Trip Teatro de Animação, de Rio do Sul/SC. Com mais esta ação, o Ponto de Cultura Anima Bonecos viabiliza o aprimoramento artístico dos artistas bonequeiros, não só da cidade de Rio do Sul, mas de todo o Estado de Santa Catarina. O evento é realizado por meio do edital Míriam Muniz, da FUNARTE. Para se inscrever e saber de mais informações, ligue (47) 3525-5229 ou mande e-mail para cppta@hotmail.comFonte: Ponto de Cultura Anima Bonecos

Mensagem quase oportuna


Tanti auguri per buratini

( foto de Dario Fo retirada do seu site oficial listado n' Estes dos quais gosto )



Hoje fiz postagem sobre o grupo Inbust, que conhecí num intercâmbio promovido pelo 'Palco Giratório' em Salvador e lembrei desta mensagem que guardei, onde Dario Fó fala especificamente de teatro de bonecos publicada em vários lugares por ocasião do 21 de março, o Dia Mundial dos Marionetes.

Mensagem Internacional de Dario Fo (Itália) Prémio Nobel da Literatura 1997

"As marionetas, os fantoches e o teatro de sombras figuram entre as mais antigas expressões artísticas da nossa cultura. Em todas as civilizações, podemos encontrar as raízes teatrais e literárias das artes dramáticas no teatro de fantoches, que, por seu turno, evoluiu ao longo dos séculos das formas mais diversas e extraordinárias.Isto pode verificar-se pela simples contemplação das diversas variedades de marionetas que se desenvolveram durante o período medieval, desde as representações sagradas e misteriosas, até às representações de cenas da natividade, nas quais participavam figuras, marionetas e estátuas falantes.As interacções entre o teatro convencional e o teatro de marionetas foram sempre abundantes, abrangendo formas variadas e diferentes entre si. Por exemplo, na Idade Média, a noção teatral da máscara sofreu inúmeras alterações, absorvendo personagens e alimentando-se a partir de diferentes fontes.Uma das atracções específicas do teatro de marionetas é o elemento de comédia, especialmente nas marionetas de fio: grandiloquente, paradoxal, inteligente e eficaz. O elemento cómico não retira a sua expressividade apenas dos gestos, que representam um tipo fundamental de linguagem, especialmente neste tipo de teatro, mas também do vocabulário, panos de fundo e cenários. esse elemento cómico, torna-se frequentemente num criticismo social exagerado e selvagem, apesar do facto deste criticismo nunca ser assumido como o seu objectivo último.Os bonecos são, eles próprios, uma síntese do actor, seja ela criada pela ilusão do movimento, ou, pela ilusão da exasperação. Em complemento, todas as linguagens teatrais que encontramos no teatro de marionetas convergem para uma forma essencial única e intensa.É por isto que, pessoalmente, considero o teatro de marionetas uma incrível fonte de inspiração. Com o teatro de marionetas, tal como com a pintura, encontro a mesma resposta para sentimentos de bloqueio criativo ou falta de produtividade, e alcanço um resultado racional ao criar sequências de cenas de marionetas, que agem como um esboço ou resumo da síntese que procuro. Da mesma forma, alcanço uma síntese ao vestir as marionetas, criando cenários e um enredo dramático, e, assim, tudo o resto se dissipa.Na minha vida profissional, as marionetas estiveram e continuarão a estar presentes. Naturalmente isto deve-se em grande parte a Franca e à sua tradição familiar, tradição que ela manteve e da qual retirou grande prazer. Como um aparte, deixem-me referir que, num período particular da sua história, a família Rames geriu uma grande e bem sucedida companhia de teatro de fantoches, tendo trabalhado no teatro tradicional por mais de sessenta anos.Tenho usado fantoches e marionetas desde que comecei a subir ao palco, começando com "Grande pantomima con pupazzi piccoli e medi", em que metade dos personagens eram interpretados com marionetas.A mais recente experiência com espectáculos de marionetas, foi no espectáculo levado à cena com Franca e Giorgio Albertazzi: "Il diavolo con le zine".Para terminar, gostaria de relembrar que no caso da "Grande pantomima" usámos não só "pupazzi" mas também marionetas conhecidas como "catalanas" e outras figuras enormes que tinham mais de três metros de altura. Demonstrámos assim, com este acto, que quebrar com a uniformidade de formas de expressão podia produzir um profundo valor teatral, inesperado, até para aqueles de nós que conceberam a ideia. Como se devem ter apercebido, adoro o teatro de marionetas, e a UNIMA, ao organizar o Dia Mundial da Marioneta, dá-me a oportunidade de expressar a alegria que artistas e criadores experimentam diariamente, por todo o mundo, ao trabalharem nos diversos tipos de teatro de marionetas."

Inbust


André Mardock, Anibal Pacha, Ester Sá, Paulo Ricardo, Adriana Cruz fazem parte do Inbust ( Foto de 'Curupira'). Raro exemplo de teatro de bonecos levado ao profissionalismo.



Tive oportunidade de assistir ao Pássaro Junino e ao Curupira em Salvador, matando a saudade do sotaque da terra natal.

Cartaz de estréia do novo espetáculo. Infelizmente não pude ir à Belém conferir. A utilização de paneiros ( cestaria rústica) para a confecção de bonecos é encantadora além de formalmente justa.

Programação do grupo Inbust, de Belém do pará, para setembro e outubro


10/set Domingo 10h Curupira Comun. Olga Benário, no Aurá. Entrada livre
12/set Terça 10:30 Sirênios Theatro da Paz. Entrada livre
12/set Terça 17h Sirênios Theatro da Paz. Livre
15/set Sexta 11h Curupira SESC Ananindeua. Livre
15/set Sexta 17h Fio de Pão A Lenda da Cobra Norato SESC Ananindeua. Livre
17/set Domingo 18h Sirênios São José Liberto, no Coliseu das Artes. Livre
23/set Sábado 17:30 Fio de Pão A Lenda da Cobra Norato Quadra do SESC Doca. Livre
30/set Sábado 9h Os 12 Trabalhos de Hércules Aslan Mauriti, no Cine-teatro. Para o Público interno
1/out Domingo 17:30 Fio de Pão A Lenda da Cobra Norato Estação das Docas, no Anfiteatro. Livre
8/out Domingo 17:30 Tem Boneco no Cortejo Estação das Docas, no Anfiteatro. Livre
9/out Segunda 17h Curupira Gin Esc.Sta.Ma.Bertilla, em Benevides-Pa. Livre
11/out Quarta 17:30 Tem Boneco no Cortejo Estação das Docas, no Anfiteatro. Franca
14/out Sábado 10h Fio de Pão A Lenda da Cobra Norato Teatro do CCBEU. O ingresso será trocado por um Brinquedo.
15/out Domingo 9h Os 12 Trabalhos de Hércules Ocup. Carlos Marighela, no Aurá. Livre
15/out Domingo 17:30 Os 12 Trabalhos de Hércules Estação das Docas, no Anfiteatro. Livre 19/out Quinta 15h Curupira SESC Ananindeua. Franca
22/out Domingo 17:30 Curupira Estação das Docas, no Anfiteatro. Livre 29/out Domingo 17:30 Sirênios Estação das Docas, no Anfiteatro. Livre

In Bust - Teatro com Bonecos mailto:an_pacha@yahoo.com tel 55 91 3259 4580 / 9941-8071 / 9628-0101

29.8.06

Algo de 'Amor e Loucura'

Gostaria de escrever diretamente sobre o novo espetáculo do grupo A Roda, mas estou por demais imbuído do processo. Deixo aquí um poema de Louise Labè ( traduzido, vou buscar o original em francês para quem gosta,
considero este poema um tanto mais de Sérgio Duarte) e outro de Myrian Fraga. É certo que, no espetáculo não há uma só linha dos escritos de Louise Labè ( pesquisamos a tradução de Felipe Fortuna, aproveitamos da poeta seissentista apenas algo do argumento). Convidamos a poetisa baiana Myrian Fraga para nos dar voz. Há que citar aquí o trecho de outro poema de Myrian Fraga que traduz as duas personagens principais da peça e nossa compreenção delas :

"Eu sou fragil e cruel
tu és manso e assassino"
(reservo aquí o lugar para citar o livro e o título do poema de Myriam Fraga os quais acabo de esquecer)


Vivo e morro e me afogo em chama ardente;
Sinto calor extremo e extremo frio
Meu caminho é, ora sombrio,
E em meio a grande pena estou contente.
Choro e me rio simultaneamente
E na alegria meu tormento expio;
Duradouro é meu bem, mesmo arredio,
Sou planta seca e ramo florescente.
Assim me leva Amor, sempre inconstante,
Pois quanto mais me doem minhas dores
Sem que perceba encontro alívio adiante.
Se do prazer, porém, gozo os favores
E se aproxima o desejado instante,
Amor me atira às penas anteriores.

Louise Labé
(Tradução de Sérgio Duarte)
Do livro: "Três Mulheres Apaixonadas", Companhia das Letras, 199, SP



Esta noite em Angico
a brisa é calma.
No silêncio farfalham minhas anáguas
Como farfalham asas
E no escuro minha carne cheira a mato.
Vem meu amor e lavra
Este roçado
Como quem quebra
Um cântaro,
Como que lava
A casa;
Águas frescas na tarde.
Tuas límpias carícias,
Teus dedos como pássaros
E teu corpo que arde
Como estrelas
No espaço.
Não quero tua candeia,
Só meus sonhos acesos
E eu te direi de nácar
Terciopelo,
Coisas antigas, pelo de leoa; voz de cego na feira,
Não quero teu braseiro,
Tua intensa cintilação que queima meus vestidos
Só quero a tua volta,
Tua presença
Iluminando a noite
Que me cerca
Como uma luz acesa
No postigo.
Que sabes de minha vida
Além da morte
Inquieta que me ronda?
Que sabe desta chita
Destes panos
Que envolvem minha nudez
Como uma chama?
São teu olhos carvões que me devoram,
São teus beijos
Fosforescências de mel,
Travo forte das frutas.
Teus dedos como setas
Apontam meu destino:
Meu caminho,
Na planta de teus pés;
Meu horizonte,
No risco de tuas mãos
E meus cabelos
Esparsos sobre a relva
Em que me habitas.
Sou teu medo, teu sangue,
Sou teu sono,
Tua alpercata
De couro,
Teu olho cego, miragem
Dos vidros
Com que miras
A mira do mosquete.
Sou teu sabre,
Facão com que degolas.
Sou o gosto de sal,
Veneno que espalharam
No prato.
Sou a colher de prata
Azinhavrada.
Sou teu laço
Teu lenço
No pescoço.
Sou teu chapéu de couro
Constelado
Com estrelas de prata
Sua a ponta
Do teu punhal buscando
O peito dos macacos.
Sou teu braço,
A cartucheira cruzada
Sobre o peito,
Sou teu leito
De angico e alecrim
Sou a almofada
Em que deitas a face,
O cheiro agreste
Dos homens que mataste.
sou a bainha
E a lâmina é meu resgate.
Sou tua fera.
Sussuarana
No escuro - bote e salto.
Jaguatirica acesa nestes altos
Mundéus de teu alarme.
Sou o parto
Da morte que te espreita.
Sou teu guia
Tua estrela, teu rastro, tua corja.
Sou tua mãe que chora,
Sou tua filha.
Teu cachorro fiel,
Tua égua parida.
Sou a roseta na carne,
O lombo nas esporas.
Sou montaria e cavalo,
Fúria e faca.
Ferro em brasa na espádua
Sou teu gado,
Tua mulher, tua terra,
Tua alma,
Tua roça.
Coivara
Que incendeias e apagas,
Tua casa.
Areia no sapato.
Sou a rede
Aberta como um fruto,
Sou soluço.
Fome escura
De poço.
Sou a caça
Abatida.
Lebre e gato,
Coisas quentes ao tato.
Vem, meu dono, meu sócio,
Meu comparsa.
Desarma o teu cansaço,
Desata a cartrucheira,
A noite é farta
Como besta no cio,
A noite é vasta.
Vem, devagar
E habita meu silêncio
Como se habita
Um claustro.
Lâminas.
Como espadas.
Pasto de aves meu corpo
Que trabalhas
Como quem corta e lavra.
Desata a cartucheira,
Teu campo de batalha
Sou eu.
Por um momento
Esquece o que te mata- fúria e falta -
E enquanto a noite é calma
Vem e apaga
Na pele do meu peito
Esta fome sem data.

Maria Bonita de Myrian Fraga

9.8.06

A Pele do Mar

O ar oprime a pele do mar.

O mar almeja espalhar desde si suas inconstâncias aterradoras.


De algum triste engano fiz-me ao mar
e o mar destragou-me
devolvido ainda vivo trago este cálculo insolúvel que me pesa os rins.
Me atravessa mal no corpo a água
Sou parte inundado
parte ressecado
Morro afogado, morro de sede.
Daquí vejo só profundidade




Rebusquei umas palavras já ditas
desditadas pela falta de uso
quiproquó de coisas interditas
quiz fazê-las e fí-las costumeiras
Uns se apoderam, sou destes,
outros se aglomeram em volta do mediano
Medeiam, que tragédia.
O vão entre a palavra e o gesto é o que se espera para compreendê-la.
Mas, plenamente compreendida já é tarde.
Presto jazem os filhos, verdes folhas caídas.



A ponta da língua testa
se irrita recua
Afirma rígida entre os contráteis mesmos lábios dois entreabertos
hirtos entre a mesura e a languidez.

26.7.06

Rabiscos no entardecer

...mas ainda é cedo...
ainda há partes brancas na folha do entardecer.

Nem rouxinol nem cotovia.



Entrego-me novamente à refrega no tardar da vida
a mão mais firme na brida e um coração que sossega
ao invés de leões centauros movem a quadriga
o ódio já não me turva a vista, hoje é Amor quem me cega.





Não havia brisa na tarde daquele dia
seu hálito de moço era só o que movia
refrescando-me a face antes de tocá-la
ericando-me os pelos antes da mordida
não havia brisa e a tarde se continha.




Afirmo aquí que desde o lodo fétido puz-me a aflorar
Não é possível negar o prazer que é retornar do lodo tendo nele chafurdado meus vícios infantis.
O lodo que me traga e obseda e me demancha em gozo contumaz.
O lodo é meu remanso, o silêncio do passado inerte. Flui preguiçoso, denso e húmido. Não o nego e a ele me permito minhas mais lentas penetrações. É o que me fez ser e me promete abrigo.
Mas floresço.
O resultado do florescer é a aridez da completude. Mas froresço porque não me supre existir apenas diluído.

22.6.06

Escritos obscuros

Depois de um marulhar de asas negras
Nada mais havia de seu grito no limiar da noite
Na terra vermelha que amava
o sulco de seus calcanhares.
Eles a levaram.



para ler marque com o mause

15.6.06

Tres brevidades sobre a imaginacao do ar

Eis minhas unhas gastas
de ferir a terra e penetrar-lhe os segredos
Quem passa verá meus pés sair-lhe à flor.
Assim plantado muitos me dirao inverso.
Minha gana de louvor à terra lhes despreza o julgamento.
Meu ar sao seus veios de ouro
minha luz seus mistérios de magma.
No reverso do que sonho
piso o firmamento
e ergo a terra sobre mim mesmo.




Nascí lá naqueles tempos velho
de tao velhos quase inexistentes
O tempo fóssil do primeiro tempo
ao olhar incrédulo do presente
Alí perdido para sempre
fogo oculto sob o borralho da infancia
fogo mítico iluminando parcamente
o que ainda me constitui.

A luz passa sob a porta
e com ela o imaginário do que do outro lado ilumina.
Lá onde tudo é presenca
tudo o que doura, solariza
inconsciente do que projeta.
O que é iluminado nao existe
o real e sua sombra existem somente imaginados.


Um teclado com problemas nos permite imaginar as cedilhas, circunflexos e tis ( o plural de til, quem poderia imaginar? ) nos lugares que lhes sao devidos e em outros lugares insuspeitados. As cores no texto sao só cores no texto, mas podem nao ser.

13.6.06

Repetindo Pandora


Pena a pouca atençäo que posso direcionar ao blog...mas é tempo de teatro! Apresentaremo-nos com os espetáculos antigos na capital e em outras cidades da Bahía.
Em breve publico postagem sobre o novo espetáculo de título Àmor e Loucura`, baseado no livro homonimo de Louise Labé e em outras curiosamente muitas, referencias a estes dois termos täo complementares. Estréia em novembro.

26.5.06

Rebuscando

Faz muito não tenho atravessado
a trave látega engolida
dourada e ja esquecida
do ódio, do azedume do passado
fímbria acre só presumida
mas ignorável no acostumado
fortuita sombra de dor mal vivida.

Assim mal vivida talvez permaneça
e se acomode no recôndido aquecido
do amor que envolve o já conhecido
tesouro incólume que desde a cabeça
à ponta dos pés e assim reprimido
me envolve no todo até que esqueça
a mim próprio como ser já contido.

Pois o já contido é o que não precisa
almejar nada e em sua completude
cabe inteiro no próprio ataúde
contruído de madeiro onde se incisa
todas as frases ditas amiúde
e de cujos significados não se precisa
o certo, o errado, o que aclara, o que ilude.


Esta foi a de aniversário! Nunca me divertí tanto escrevendo alguma coisa. Espero que outros possam divertir-se também.

22.4.06

A primeira híbris

Está alí com sua híbris ameaçadora, voluptuosa. Sentada sobre as patas traseiras, lambendo a direita dianteira, a língua rápida mentindo maciez. As asas pousadas sobre as ancas com muito alinho mas sem pudor. Nada me pergunta e até duvido que me perceba ali, detido por sua presença incrível e desdenhosa.
Como termina o asseio da pata direita começa o da esquerda a partir do ombro, seu rosto humano se oculta sem que eu tenha tempo de compara-lo a qualquer outro tomado ainda do terror nauseabundo e irresistível provocado pela visão do seu corpo de gato alado.
Remói agora a curiosidade de ver-lhe o rosto, nosso único vínculo como criaturas presentes nesse encontro incômodo e estranhamente inevitável; e inevitável por desejável mas de um desejo inconfessável nem sequer pensado, talvez sonhado mas em sonhos esquecidos, desses que ao acordarmos dizemos não ter, naquela noite, nada sonhado.
E agora, na expectativa que me fixa o olhar em sua volta de pescoço, tento lembrar-lhe o rosto, senão de agora a pouco pelo menos de nalgum sonho remoto. Nenhum rosto de mulher se encaixaria ali. E agora até me reprovo por supô-la mulher... Toda híbris para um homem é mulher. Não é possível culpar nada mais por suas mais profundas ansiedades.
Num repente a criatura pára as lambidas ao ombro e levanta a cabeça ainda sem voltar-me o rosto. Só aí tenho certeza de ser percebido. Ela estática; a pata um pouco levantada e espalmada como pousada sobre o peito invisível do amante a quem rejeita devorar. As patas traseiras se ajeitam alternando o peso da anca, a cauda hipnótica é a última coisa que vejo depois do salto que lhe faz sumir atrás do muro. O guincho sufocado na garganta de um pássaro é o último que ouço denunciando ainda sua existência e me sinto ainda indigno de respirar.





foto: Luiz Felipe

23.3.06

Lista das coisas que me emocionam isoladas e em seu conjunto

Um quintal silencioso e coberto de sombras tristes no final da tarde.


Tudo o que respeita a tristeza e o silêncio do final da tarde.


Conversas sussurradas e distantes sem pressa de estar em outro lugar.


Tudo o que é feito sem o tempo.


Um jardim descuidado onde as folhas se acumulam.


Rostos de leões nos frontispícios num eterno rugir de alvenaria.


O barulho das cigarras.


Uma folha amarela pousada em qualquer lugar, dignificando-o.


Escadas estreitas de madeira.


Sentar nos seus degraus.


Desde o telhado, atraves de uma claraboia, ver uma pessoa dormindo coberta de chenil.


Chão de madeira recém encerado com cera vermelha.


O cheiro da cera vermelha.


Bibelôs de louça com cores doces sobre móveis de madeira escura.


Vê-los pela janela desde aquí fora.


Saber que vai chover logo mais à noite.


Escrever listas de coisas percebidas enquanto vivas.

15.3.06

Pinóquio







O Pinóquio de Colodi não se refere ao teatro de bonecos como arte em si mais que ao processo de individuação. Pinóquio como personagem, mesmo antes de sua metamorfose final, não está destituído de humanidade, incompleta que seja. O boneco como objeto para o teatro de bonecos (e já em suas manifestações mais primitivas) é necessariamente um simulacro. Precisa de energia vital humana, pela manipulação, criando a ilusão de vida.

Pinóquio nasce carregado de humanidade. O desejo de seu criador não é fazer mais um boneco para a companhia de teatro de bonecos que o explora, mas criar um filho, um companheiro para sua vida solitária. A ação sobrenatural da Fada Azul evoca, além de uma sutil explicação para a pergunta 'de onde vêm os bebês?', o próprio dom da vida.
A presença do tema do Teatro de bonecos em Pinóquio é metafórica.


Conheci o livro maravilhoso de Colodi muito tarde na vida ( assim também a versão açucarada de Disney ), depois de já ter me apaixonado pelo teatro de bonecos. Talvez isso explique o meu extranhamento com sua metamorfose em ser humano. Sinto como um esvaziamento de significados e por outro lado aquela ansiedade que, acredito, todos sentimos diante da criatura de Frankenstein e destas possibilidades de criação de vida pelo homem.



O Grupo Giramundo montou Pinoquio. Foi a primeira vez sem a participação de Álvaro Apocalipse . No site do grupo lê-se:

"(...) a montagem propõe, em analogia com a marionete, a reflexão sobre a formação social do ser humano através da restrição da liberdade e do prazer(...) Usa simultâneamente das principais técnicas tradicionais do Teatro de Bonecos: luva, fio, balcão, tringle, pantins, sombra e bonecos gigantes".

O homem se encontra atraves de suas representações

A reflexão sobre a questão da identidade do homem como sujeito social, encontra-se turvada. A experiência da ilusão de vida dos bonecos promove um tipo de apreensão da identidade em processo de perda, do homem.

"A madeira na qual se esculpiu Pinóquio é a própria humanidade."
( Benedetto Croce)


Aquí cartaz do
filme de Benigni
de 2002 onde
ele mesmo interpreta
o personagem.

Livro de








(Serão acrescentados novos textos, imagens e sugestões de leitura a esta postagem)

11.3.06

Judith

"Judite é uma lição de patriotismo, na ação destemida de uma viúva judia, que se serviu dos artifícios de sua beleza para assassinar o general do exército inimigo."
Pr. Pedro Apolinário
Judith, Judi, Judie, Judy - Do hebraico, significando "louvor". Na Torá, Judith era o nome da esposa de Essav. Tornou-se popular, no entanto, por causa da bela heroína no livro de Judith (no Apócrifo) que conseguiu decapitar Holofernes, o general assírio.
Giorgione (c. 1477 — 1510)




Sandro Botticelli (1445-1510)


Jacques Callot



A. Faldi



Domenico Ghirlandajo








A. Marinas














As tres imagens aneriores são de Lucas Cranach (1472-1553)






Conrad Meit, mármore pintado (1510-15)










Massimo Stanzione (Nápoles, 1585–1656)
























Mantegna






Gustav Dorè

















Donatello (1446-1460) Florença, Palazzo Vecchio






Michelangelo Buonaroti






Georg Pencz século 16






Saint-Louis Art Museum











Andrea Mantegna, 1495 National Gallery of Art, Washington





Caravaggio, 1612-20







Caravaggio, Galeria de arte do Vaticano



Cristofano Allori (1613)







Artemisia Gentileschi (1593-1653)






Ainda muito próximo do Dia Internacional da mulher, data que considero digna de pesar, revejo as imagens dos quadros de Klimt. Principalmete o 'Judith', o meu favorito. O primeiro livro sobre os trabalhos deste artista que li, e no qual conhecí 'Judith', trazia comentário dos críticos dele na época que preferiam ver aí Salomé e não a heroína casta e judia.
Amo o rosto em gozo e as mãos crispadas de Judith. Escreví umas linhas:















Ah dolorida!
Quanto ainda chorarás
sobre teus panos femininos?

A volúpia no entorse de teus dedos
desejando a cabeça de Holofernes.

A boca tímida pedindo
Ah! Como pedes dolorida!
a do outro servida em prata.

































Esta Judith II também impressiona.


Capítulo 11. Arfaxad, rei dos medos, submetera ao seu império um grande número de nações. Ele edificou uma fortaleza de pedras polidas, à qual deu o nome de Ecbátana.2. Cercou-a de muralhas de setenta côvados de altura e trinta de largura, e pôs-lhe torres de cem côvados de altura.3. Estas eram de forma quadrada, e seus lados estendiam-se por um espaço de vinte pés. As portas tinham uma altura proporcionada à das torres.4. Ele gloriava-se do poder invencível do seu exército e da imponência de seus carros.5. Ora, no décimo segundo ano de seu reinado, Nabucodonosor, que reinava sobre os assírios em Nínive, a grande cidade, fez guerra a Arfaxad, e venceu-o6. na grande planície chamada Ragau. Aliaram-se-lhe todos os habitantes das regiões vizinhas do Tigre, do Eufrates e do Jadason, na planície de Erioc, rei dos eliceus.7. Então engrandeceu-se o reino de Nabucodonosor e seu coração encheu-se de orgulho. Mandou emissários a todos os habitantes da Cilícia, de Damasco, do Líbano,8. aos povos do Carmelo e de Cedar, aos galileus, na grande planície de Esdrelon,9. aos habitantes de Samaria e aos povos de além do Jordão até Jerusalém, a toda a terra de Gessém e até aos confins da Etiópia.10. A todos esses povos enviou Nabucodonosor emissários,11. mas todos protestaram unanimemente e os despediram de mãos vazias, chegando até a expulsá-los com desprezo.12. À vista disso, encheu-se de cólera o rei Nabucodonosor contra todos esses povos, e jurou pelo seu trono e pelo seu reino que havia de tomar vingança de todos eles.Capítulo 21. No décimo terceiro ano do rei Nabucodonosor, no vigésimo segundo dia do primeiro mês, foi tomada na casa de Nabucodonosor, rei dos assírios, a decisão de que ele se vingaria.2. Convocou todos os anciãos, todos os seus chefes e guerreiros, e teve com eles um conselho secreto, no qual3. revelou-lhes o seu desígnio de submeter toda a terra ao seu império.4. Tendo a sua proposta agradado à assembléia, o rei Nabucodonosor ordenou a Holofernes, marechal do seu exército,5. dizendo: Vai contra todos os reinos do ocidente, principalmente contra aqueles que desprezaram a minha ordem.6. Ferirás a todos sem consideração alguma e me sujeitarás todas as fortalezas.7. Holofernes convocou os generais e oficiais do exército assírio e contou os efetivos da expedição, conforme a ordem do rei: havia cento e vinte mil soldados de infantaria e doze mil frecheiros a cavalo.8. Mandou adiante do seu exército uma multidão de camelos com provisões abundantes para as tropas, e inumeráveis rebanhos de bois e de cordeiros.9. Ordenou que em toda a Síria se preparasse trigo para quando ele passasse.10. Levou também grande quantidade de ouro e de prata do tesouro real.11. Pôs-se a caminho com todo o exército, com os carros, os cavaleiros e os frecheiros, que se espalharam pela terra como gafanhotos.12. Atravessou as fronteiras da Assíria e chegou às grandes montanhas de Ange, que ficam ao norte da Cilícia. Penetrou em todos os seus fortes e apoderou-se de todos os seus bens.13. Tomou de assalto a célebre cidade de Melitene, e saqueou todos os filhos de Társis e os filhos de Ismael, que habitavam defronte do deserto, ao sul da terra de Celon.14. Passando o Eufrates pela segunda vez, penetrou na Mesopotâmia e arrasou todas as fortalezas do país, desde a torrente de Caboras até o mar.15. Em seguida, apossou-se de todas as regiões (que marginam o Eufrates), desde a Cilícia até a terra de Jafet, que se estende para o sul.16. Levou consigo todos os madianitas, saqueou todas as suas riquezas e passou ao fio da espada todos os que lhe opunham resistência.17. Depois desceu às planícies de Damasco no tempo da colheita, queimou todas as colheitas e cortou todas as árvores e as vinhas.18. Tornou-se, assim, objeto de terror para todos os habitantes da terra.Capítulo 31. Então os reis e os príncipes de todas as cidades e de todas as províncias, da Síria, da Mesopotâmia, da Síria de Sobal, da Líbia e da Cilícia, enviaram seus delegados a Holofernes para lhe dizerem:2. Cessa a tua indignação contra nós; é melhor que vivamos servindo o grande rei Nabucodonosor, e submetendo-nos a ti, do que morrermos, depois de havermos sofrido, além da nossa perda, os males da escravidão.3. Eis aí todas as nossas cidades, todas as nossas possessões, todas as nossas montanhas e colinas, nossos campos, nosso gado, nossos rebanhos de cordeiros e de cabras, nossos cavalos e nossos camelos, todos os nossos bens e nossas famílias.4. Tudo o que nos pertence depende de ora em diante de ti.5. Somos teus escravos, nós e nossos filhos.6. Vem a nós como um senhor pacífico e emprega os nossos serviços como te parecer melhor.7. Holofernes desceu então das montanhas com suas poderosas forças de cavalaria e apoderou-se de todas as cidades e de todos os habitantes do país.8. Levou de todas as cidades, para suas tropas auxiliares, homens valentes e escolhidos para a guerra.9. Era tão grande o terror daquelas províncias, que os principais e os magistrados de todas as cidades saíam com o povo ao seu encontro,10. e o acolhiam com coroas e archotes, dançando ao som dos tamborins e das flautas.11. Mas não conseguiram apesar disso abrandar a ferocidade daquele coração.12. Ele destruiu as suas cidades, e cortou os seus troncos sagrados.13. Pois Nabucodonosor havia-lhe ordenado que exterminasse todos os deuses da terra, para que só ele fosse chamado deus por todas as nações que lhe conquistasse o poder de Holofernes.14. Ele, atravessando a Síria de Sobal, toda a Apaméia e toda a Mesopotâmia, chegou aos idumeus, na terra de Gabaa.15. Depois de haver conquistado suas cidades, fez ali uma parada de trinta dias, durante os quais juntou todas as forças de seu exército.Capítulo 41. Ouvindo isso, os israelitas de Judá ficaram muito alarmados com a aproximação (de Holofernes).2. O medo e o terror apoderaram-se deles, temendo que ele fizesse a Jerusalém e ao templo do Senhor o mesmo que ele fizera às outras cidades e aos seus templos.3. Mandaram mensageiros por toda a Samaria e seus arredores até Jericó, e ocuparam todos os cumes dos montes.4. Cercaram de muros todas as suas cidades e armazenaram trigo para poderem sustentar o combate.5. De seu lado, o sumo sacerdote Eliacim escreveu a todos os que habitavam defronte de Esdrelon, que está fronteira à grande planície vizinha de Dotain, e a todos os das terras pelas quais havia passagens,6. pedindo-lhes que ocupassem as vertentes montanhosas que davam acesso a Jerusalém, e que pusessem guarnições nos desfiladeiros por onde se pudesse passar.7. Os israelitas executaram todas as ordens de Eliacim, sacerdote do Senhor.8. Todo o povo orou fervorosamente ao Senhor; humilharam suas almas com jejuns e orações, eles e suas mulheres.9. Os sacerdotes vestiram-se de cilício, as crianças prostraram-se diante do templo do Senhor, e cobriu-se o altar do Senhor com um cilício.10. Unidos de coração e de alma, clamaram ao Senhor que não entregasse seus filhos à rapina do vencedor, suas mulheres à devassidão, suas cidades ao extermínio, seu templo à profanação, e não permitisse que eles próprios se tornassem o opróbrio das nações pagãs.11. Eliacim, sumo sacerdote do Senhor, percorreu então todo o país de Israel e falou ao povo12. nestes termos: Estai certos de que o Senhor vos ouvirá, se perseverardes jejuando e orando em sua presença.13. Lembrai-vos de Moisés, servo do Senhor: Amalec, que confiava em sua força, em seu poder, em seu exército, em seus escudos, em seus carros e cavaleiros, foi derrotado por ele, não com a força das armas, mas com o poder da santa oração.14. Isso mesmo acontecerá a todos os inimigos de Israel, se perseverardes na obra que começastes.15. Com tais exortações, os israelitas puseram-se a orar diante do Senhor;16. mesmo aqueles que ofereciam holocaustos ao Senhor, faziam-no revestidos de sacos e com a cabeça coberta de cinzas.17. E todos rogavam a Deus, de todo o seu coração, que visitasse o seu povo de Israel.Capítulo 51. Holofernes, marechal do exército assírio, foi avisado de que os israelitas se dispunham à resistência e que haviam bloqueado as passagens dos montes.2. Explodiu então a sua cólera, e, cheio de furor, convocou os príncipes de Moab e os generais dos amonitas e disse-lhes:3. Dizei-me quem é esse povo que ocupa as montanhas; quais as suas cidades, a sua força, o seu número; qual o poder e o efetivo de seu exército, quem é o seu chefe,4. e por que motivo foi ele o único dentre todos os povos do oriente que nos desprezou, recusando-se a sair ao nosso encontro para receber-nos pacificamente.5. Aquior, chefe dos amonitas, respondeu-lhe: Meu senhor, se te dignas ouvir-me, dir-te-ei a verdade acerca desse povo que habita nos montes, e nenhuma mentira sairá de minha boca.6. Esse povo é da raça dos caldeus;7. habitaram primeiramente na Mesopotâmia, porque recusavam seguir os deuses de seus pais que estavam na Caldéia.8. Abandonaram os ritos de seus ancestrais que honravam múltiplas divindades,9. e passaram a adorar o Deus único do céu, o qual lhes ordenou que saíssem daquele país e fossem estabelecer-se na terra de Canaã. Depois disso sobreveio a toda a terra uma grande fome, e desceram ao Egito onde, durante quatrocentos anos, multiplicaram-se de tal forma que se tornaram uma multidão inumerável.10. Oprimidos pelo rei do Egito, e obrigados a trabalhar na fabricação de tijolos e de argamassa para a construção de suas cidades, clamaram ao seu Senhor, e este feriu toda a terra do Egito com vários flagelos.11. A praga cessou, quando os egípcios os expulsaram de sua terra; mas quiseram retomá-los para sujeitá-los de novo à escravidão.12. Eles fugiram. O Deus do céu abriu-lhes o mar de tal modo que as águas tornaram-se de cada lado sólidas como um muro, e eles atravessaram a pé enxuto pelo fundo do mar.13. Entretanto, vindo em sua perseguição o inumerável exército dos egípcios, foi de tal maneira envolvido pelas águas que não escapou um sequer que pudesse contar à posteridade o acontecimento.14. Ao sair do mar Vermelho, ocuparam os desertos do monte Sinai, onde nunca homem algum pôde habitar, nem um ser humano se fixar.15. Ali, tornaram-se-lhes doces e potáveis as fontes amargas, e por espaço de quarenta anos receberam um alimento vindo do céu.16. Por toda parte onde entraram sem arco e sem flecha, sem escudos e sem espada, Deus combateu por eles e venceu.17. Ninguém jamais pôde insultar esse povo, a não ser quando ele se afastou do culto do Senhor, seu Deus.18. Mas sempre que, ao lado de seu Deus, eles adoravam um outro, logo eram entregues à pilhagem, à espada e à vergonha.19. E todas as vezes que se arrependiam de ter abandonado o culto do seu Deus, o Deus do céu dava-lhes força para resistir.20. Finalmente, derrotaram os reis cananeus, jebuseus, fereseus, hiteus, heveus, amorreus e todos os valentes de Hesebon, e tomaram posse de suas terras e de suas cidades.21. Enquanto não pecavam na presença de seu Deus, eram bem sucedidos, porque o seu Deus odeia a iniqüidade.22. Há alguns anos, com efeito, tendo-se afastado da via em que Deus lhes ordenara caminhar, foram derrotados nos combates contra várias nações, e muitos dentre eles levados para o cativeiro.23. Mas converteram-se de novo ao Senhor, seu Deus, e depois dessa dispersão acham-se reunidos desde há pouco: retomaram a posse de suas montanhas e de Jerusalém onde está seu santuário.24. Agora, pois, meu senhor, informa-te se esse povo cometeu alguma iniqüidade na presença de seu Deus, e então subamos e o ataquemos, porque o seu Deus os entregará nas tuas mãos, e ficarão sujeitos ao teu poder.25. Mas se esse povo não está manchado de nenhuma ofensa para com o seu Deus, não o poderemos enfrentar, porque o seu Deus o defenderá e seremos o opróbrio de toda a terra.26. Calando-se Aquior, todos os grandes de Holofernes se indignaram e queriam matá-lo.27. E diziam entre si: Quem é esse homem que pretende que os israelitas possam resistir ao rei Nabucodonosor e ao seu exército, sendo eles homens sem armas, sem força e ignorantes da estratégia?28. Para mostrarmos a Aquior que ele nos engana, vamos às montanhas, e, quando tivermos capturado seus príncipes, passá-lo-emos com eles ao fio da espada.29. É preciso que toda a nação saiba que Nabucodonosor é o deus da terra, e que não há outro fora dele.Capítulo 61. A estas palavras, Holofernes encolerizou-se e disse a Aquior:2. Já que nos predisseste que a nação de Israel será defendida por seu Deus, vou mostrar-te que não há outro deus fora de Nabucodonosor:3. quando os tivermos ferido a todos como a um só homem, perecerás tu também com eles pela espada dos assírios, e todo o Israel desaparecerá contigo.4. Assim aprenderás que Nabucodonosor é o Senhor de toda a terra. A espada de meus soldados entrar-te-á pelos flancos e cairás transpassado no meio dos feridos de Israel; não respirarás mais, senão para ser exterminado com eles.5. Se crês na verdade de tua profecia, não desanimes; muda a palidez de tua face, se pensas que minhas palavras não se podem realizar.6. E para que saibas que terás a mesma sorte que eles, serás desde já associado a esse povo, a fim de sofreres com eles os golpes de minha vingança, quando minha espada infligir-lhes o castigo que merecem.7. Então Holofernes ordenou aos seus homens que prendessem Aquior e o levassem a Betúlia para entregá-lo nas mãos dos israelitas.8. Os escravos de Holofernes tomaram-no e se foram através da planície. Ao se aproximarem dos montes, porém, saíram contra eles os atiradores de funda,9. e eles desviaram-se para os lados da montanha, onde ataram Aquior a uma árvore pelas mãos e pés. Abandonaram-no ali amarrado, e voltaram para o seu senhor.10. Ora, os israelitas que desciam de Betúlia encontraram-no e, soltando-o, levaram-no para a cidade. Puseram-no no meio do povo e perguntaram-lhe o motivo por que os assírios o deixaram amarrado.11. (Naquele tempo, Betúlia era governada por Ozias, filho de Mica, da tribo de Simeão, e por Carmi, também chamado Gotoniel).12. E, estando no meio dos anciãos e em presença de todo o povo, Aquior contou tudo o que tinha respondido quando Holofernes o interrogara, e como a gente de Holofernes quis matá-lo por ter ele falado assim;13. e como Holofernes, encolerizado, ordenara que ele fosse por esse motivo entregue aos israelitas, a fim de que, após a vitória sobre eles, ele fizesse perecer também Aquior com diversos suplícios, porque ele dissera que o Deus do céu era o defensor de Israel.14. Após essa narração de Aquior, todo o povo se prostrou com o rosto por terra em adoração diante do Senhor, e todos, unidos de coração, oraram ao Senhor com gemidos e prantos:15. Senhor, disseram eles, Deus do céu e da terra, vede o seu orgulho e olhai para a nossa humilhação. Lançai os vossos olhos sobre os vossos fiéis; mostrai que não abandonais aqueles que confiam em vós, mas que humilhais os que presumem de si mesmos e se gloriam do seu poder.16. Acabada a lamentação, e terminada a prece do povo, que durou um dia todo, encorajaram Aquior, dizendo:17. O Deus de nossos pais, cujo poder proclamaste, conceder-te-á a recompensa de veres tu a ruína deles.18. Quando o Senhor nosso Deus tiver livrado os seus servos, que ele esteja também contigo no meio de nós, a fim de que vivas, tu e os teus, conosco, como for do teu agrado.19. Então Ozias, despedida a assembléia, recebeu Aquior em sua casa e ofereceu-lhe uma grande ceia.20. E foram convidados a ela todos os anciãos, (pois já) tinha terminado o jejum, e comeram juntos alegremente.21. Depois foi convocado todo o povo e oraram durante toda a noite no lugar onde estavam reunidos, pedindo socorro ao Deus de Israel.Capítulo 71. No dia seguinte, Holofernes ordenou às suas tropas que tomassem de assalto Betúlia.2. Havia cento e vinte mil soldados de infantaria e vinte e dois mil cavaleiros, além dos homens de armas que tinha aprisionado e dos jovens que havia levado das províncias e das cidades.3. Prepararam-se todos para combater contra os israelitas e partiram pela encosta da montanha até o cume que olha para Dotain, desde o lugar chamado Belma até Quelmon, que está fronteiro a Esdrelon.4. Quando os israelitas viram aquela multidão, prostraram-se por terra e cobriram de cinzas as suas cabeças, orando em comum ao Deus de Israel para que fizesse misericórdia ao seu povo.5. Tomando então as suas armas de guerra, postaram-se nos lugares em que caminhos estreitos conduziam às passagens entre os montes, e ali montaram guarda noite e dia.6. Entretanto, ao fazer uma ronda pelos arredores, Holofernes descobriu ao sul da cidade a fonte que a abastecia por meio de um aqueduto, e mandou cortá-lo.7. Havia, entretanto, não longe dos muros, algumas fontes aonde iam furtivamente os sitiados buscar água, mais para aliviar um pouco a sede que para beber.8. Então os amonitas e os moabitas foram dizer a Holofernes: Os israelitas não confiam nem nas lanças nem nas flechas, mas são defendidos pelas montanhas e sua verdadeira força são as colinas escarpadas.9. Para que possas vencê-los sem combate, põe guardas às fontes, para não buscarem água ali, e os matareis sem golpes de espada. Ou, pelo menos, esgotados pela sede, entregarão a cidade, a qual, por estar situada nas montanhas, julgavam inexpugnável.10. Esta sugestão agradou a Holofernes e aos seus oficiais, e ele mandou que cada fonte fosse vigiada por um contingente de cem homens.11. Passados vinte dias de guarda, secaram-se as fontes e os poços de Betúlia, e os habitantes que recebiam quotidianamente a sua medida de água não a tiveram mais nem sequer para um dia.12. Então, reuniram-se todos os homens, mulheres, jovens e crianças ao redor de Ozias, e disseram-lhe a uma voz:13. Deus seja juiz entre nós e ti, pois, recusando negociar a paz com os assírios, atraíste a desgraça sobre nós; e por isso entregou-nos Deus nas suas mãos.14. Também por isso não há quem nos socorra, estando nós aos seus olhos esgotados pela sede.15. Agora, pois, reúne todos os que estão na cidade e entreguemo-nos espontaneamente aos homens de Holofernes.16. É melhor que bendigamos a Deus no cativeiro, vivos, do que morrer vergonhosamente diante de todos os homens, vendo morrer sob os nossos olhos nossas mulheres e nossos filhos.17. O céu e a terra nos são testemunhas, assim como o Deus de nossos pais que toma vingança de nossos pecados: entrega sem demora a cidade ao exército de Holofernes, para que o fio da espada abrevie o nosso fim, retardado pelo ardor da sede!18. Tendo eles assim falado, levantou-se um grande pranto e gritos lancinantes na assembléia, e a sua voz elevou-se para Deus durante várias horas:19. Pecamos, diziam eles, nós e nossos pais, cometemos a injustiça e a iniqüidade.20. Vós, que sois bom, tende piedade de nós, ou então que vossos castigos tomem vingança de nossas iniqüidades; mas não entregueis os que vos invocam a um povo que vos não conhece,21. para que se não diga entre os pagãos: Onde está o seu Deus?22. Fatigados enfim de gritar e de chorar, eles se calaram.23. Ozias levantou-se então banhado em lágrimas: Coragem, meus irmãos! - disse ele.- Esperemos (ainda) cinco dias a misericórdia do Senhor.24. Talvez se aplaque a sua cólera e dê glória ao seu nome.25. Entretanto, se depois de cinco dias não nos chegar socorro algum, faremos o que propusestes.Capítulo 81. Ora, tudo isso chegou aos ouvidos de Judite, viúva, filha de Merari, filho de Idox, filho de José, filho de Ozias, filho de Elai, filho de Jamnor, filho de Gedeão, filho de Rafaim, filho de Aquitob, filho de Melquias, filho de Enã, filho de Natanias, filho de Salatiel, filho de Simeão, filho de Rubem.2. Seu marido chamava-se Manassés, e morrera no tempo da colheita da cevada,3. ferido de insolação quando fiscalizava os ceifadores que ligavam os feixes no campo; ele morrera em Betúlia, sua cidade, e fora enterrado com seus pais.4. Judite ficara viúva havia três anos e meio.5. Ela tinha feito no andar superior de sua casa um quarto reservado para si, no qual se conservava retirada com suas criadas.6. Trazia um cilício sobre os rins e jejuava todos os dias, exceto nos sábados, nas luas novas e nas festas do povo israelita.7. Era extremamente bela, e seu marido tinha-lhe deixado grandes riquezas, numerosos criados e domínios cheios de rebanhos de bois e de ovelhas.8. Era muito estimada por todos porque tinha grande temor a Deus; não havia ninguém que falasse mal a seu respeito.9. Sabendo, pois, que Ozias tinha prometido entregar a cidade dentro de cinco dias, mandou alguém chamar os anciãos Cabri e Carmi,10. e estes vieram ter com ela. Ela disse-lhes: Como é possível que Ozias tenha consentido em entregar a cidade aos assírios dentro de cinco dias, se não nos chegar socorro?11. Quem sois vós para provocar o Senhor?12. Não é esse o meio de atrair a sua misericórdia, mas antes o de excitar a sua cólera e acender o seu furor13. Vós impusestes ao Senhor um prazo para exercer a sua misericórdia e fixastes-lhe um dia ao vosso arbítrio!14. Mas o Senhor é paciente; façamos, pois, penitência por isso e peçamos-lhe perdão com lágrimas nos olhos,15. pois Deus não ameaça como os homens e não se deixa arrastar como eles à violência da cólera.16. Humilhemo-nos diante dele e prestemos-lhe nosso culto com espírito de humildade.17. Roguemos ao Senhor com lágrimas que nos conceda a sua misericórdia como lhe aprouver, para que, assim como se perturbou o nosso coração com o orgulho de nossos inimigos, do mesmo modo encontremos glória em nossa humilhação.18. Nós não imitamos os pecados de nossos pais, abandonando Deus para adorar divindades estranhas.19. Por esse crime foram entregues à espada, à pilhagem e ao desprezo de seus inimigos; nós, porém, não admitimos outro Deus fora dele.20. Esperamos com humildade a sua consolação e ele vingará o nosso sangue dos males que nos causam nossos inimigos. Ele humilhará toda nação que se levantar contra nós; o Senhor nosso Deus cobri-las-á de vergonha.21. Agora, meus Irmãos, já que sois os anciãos do povo de Deus, e que sua vida depende de vós, reanimai os seus corações com vossas palavras, para que eles se lembrem de que nossos pais foram tentados a fim de que se verificasse se eles serviam verdadeiramente ao seu Deus.22. Que eles se lembrem de como nosso pai Abraão foi provado e de como passou por múltiplas tribulações para se tornar o amigo de Deus.23. Assim Isaac, assim Jacó, assim Moisés, e todos os que agradaram a Deus permaneceram fiéis apesar das muitas tribulações.24. Aqueles, porém, que não aceitaram essas provações no temor ao Senhor e se impacientaram, murmurando contra ele,25. foram feridos pelo Exterminador e pereceram pelas serpentes.26. Por isso não nos irritemos por causa do que sofremos.27. Consideremos que esses tormentos são menos graves que nossos pecados, e que esses flagelos com que o Senhor nos castiga, como escravos, foram-nos mandados para a nossa emenda, e não para a nossa perdição.28. Ozias e os anciãos responderam-lhe: Tudo o que disseste é verdade; nada há repreensível nas tuas palavras.29. Roga, pois, a Deus por nós, porque és uma mulher santa e piedosa.30. Judite respondeu-lhes: Se reconheceis que o que eu vos disse vem de Deus,31. examinai se vem igualmente dele o que eu resolvi fazer, e orai para que Deus me ajude a realizar o meu desígnio.32. Ficai esta noite à porta, e eu sairei com minha criada. Orai então para que, como vós o dissestes, o Senhor olhe para o seu povo de Israel dentro de cinco dias.33. Mas não quero que procureis saber o que eu vou fazer; enquanto eu mesma não voltar para vos avisar, não se faça outra coisa que rogar por mim ao Senhor nosso Deus.34. Ozias, o príncipe de Judá, respondeu-lhe: Vai em paz, e que o Senhor te ajude a tomar a vingança de nossos inimigos. E retiraram-se.Capítulo 91. Tendo eles partido, Judite entrou em seu oratório, pôs o seu cilício, cobriu a cabeça com cinzas e, prostrando-se diante do Senhor, orou dizendo:2. Senhor, Deus de meu pai Simeão, que lhe destes a espada para se vingar dos estrangeiros que, arrastados pela paixão, violaram uma virgem, descobrindo-lhe vergonhosamente a nudez;3. que entregastes suas mulheres à rapina, suas filhas ao cativeiro, e todos os seus despojos em partilha aos vossos servos que ardiam de zelo ao vosso serviço, vinde, eu vos peço, ó Senhor meu Deus, e socorrei esta viúva.4. Vós dispusestes os acontecimentos do passado, determinastes que uns sucedessem a outros, e nada aconteceu sem que vós o quisésseis.5. Todos os vossos caminhos são previamente escolhidos, e os vossos juízos são marcados por vossa providência.6. Olhai agora para o acampamento dos assírios, como vos dignastes outrora olhar para o dos egípcios, quando corriam armados atrás dos vossos servos, fiando-se nos seus carros, nos. seus cavaleiros e na multidão dos seus combatentes.7. Bastou um vosso olhar sobre o seu acampamento para paralisá-los nas trevas.8. O abismo reteve os seus pés, e as águas submergiram-nos.9. Senhor, que o mesmo aconteça a estes que confiam no seu número, nos seus carros, nos seus dardos, nos seus escudos, nas suas flechas, e que são orgulhosos de suas lanças.10. Eles ignoram que vós sóis o nosso Deus, vós que desde todo o tempo sabeis deter as guerras, e que vosso nome é o Senhor.11. Levantai o vosso braço como nos tempos antigos e quebrai o seu. poder com a vossa força; caia diante de vossa cólera o poder daqueles que prometeram a si próprios violar o vosso santuário, profanar o tabernáculo de vosso nome e derrubar com um golpe de espada os cornos de vosso altar.12. Fazei, Senhor, que o orgulho desse homem seja cortado com sua própria espada;13. seja ele preso no laço de seus olhos fixos em mim; e feri-o com as doces palavras de meus lábios.14. Dai firmeza ao meu coração para o desprezar, e coragem para o abater.15. Isso será para o vosso nome uma glória digna de memória, tendo-o derrubado a mão de uma mulher.16. Não é na multidão, Senhor, que está o vosso poder, nem vos comprazeis na força dos cavalos; os soberbos nunca vos agradaram, mas sempre vos foram aceitas as preces dos mansos e humildes.17. Deus do céu, criador das águas e senhor de toda a criação, ouvi uma pobre suplicante que só confia em vossa misericórdia.18. Lembrai-vos, Senhor, de vossa promessa; inspirai as palavras de minha boca e dai firmeza à resolução de meu coração, para que a vossa casa vos permaneça (para sempre) consagrada e que todos os povos reconheçam que só vós sois Deus e que não há outro fora de vós.Capítulo 101. Quando acabou de orar ao Senhor, levantou-se do lugar onde estava prostrada diante do Senhor.2. Chamou a sua criada, desceu à sua casa, tirou o cilício e despiu suas vestes de viúva.3. Lavou-se, ungiu-se de mirra preciosa, arranjou o cabelo e pôs um diadema. Vestiu-se como para uma festa, calçou as sandálias, pôs os braceletes, o colar, os brincos, os anéis e todos os seus enfeites.4. O Senhor aumentou-lhe a beleza, porque tudo aquilo procedia, não de uma paixão má, mas de sua virtude; por isso o Senhor deu-lhe uma tal formosura, que apareceu aos olhos de todos com um encanto incomparável.5. Fez que sua criada levasse um odre de vinho, uma garrafa de óleo, grãos torrados, figos secos, pão e queijo, e partiu.6. Chegando à porta da cidade, encontraram Ozias e os anciãos que as esperavam.7. Vendo-a, ficaram cheios de admiração diante de sua beleza.8. Sem lhe perguntar coisa alguma deixaram-na passar e disseram-lhe: Que o Deus de nossos pais te dê a sua graça e fortifique a resolução de teu coração, para que sejas a glória de Jerusalém e o teu nome figure no número dos santos e dos justos.9. Os que ali estavam disseram a uma só voz: Assim seja! Assim seja!10. E Judite passou a porta com sua criada, orando ao Senhor.11. Ao raiar do dia, quando ela descia pela montanha, eis que a encontrou uma patrulha dos assírios e a deteve: De onde vens?, perguntaram-lhe, e aonde vais?12. Ela respondeu: Sou uma israelita; fugi do meio deles porque vi que eles vos hão de ser entregues como presa, e porque vos desprezaram não querendo render-se espontaneamente a vós para encontrar graça diante de vossos olhos.13. Por isso pensei comigo mesma: Irei apresentar-me ao príncipe Holofernes para revelar-lhe seus segredos e indicar-lhe um caminho por onde poderá tomar, sem perder um homem sequer do seu exército.14. Ouvindo estas palavras, os homens olhavam-na de frente com os olhos deslumbrados de admiração pela sua grande beleza.15. E disseram-lhe: Salvaste a tua vida, porque resolveste descer para o nosso senhor. Podes estar certa de seres bem tratada quando lhe fores apresentada, e tu lhe hás de ganhar o coração.16. Levaram-na à tenda de Holofernes, declarando quem era.17. Mal havia ela entrado, Holofernes ficou cativo de seus olhos.18. Seus oficiais disseram-lhe: Quem poderia desprezar os hebreus que têm tão belas mulheres? Não são elas uma razão suficiente de lhes fazermos guerra?19. Judite viu Holofernes sentado sob um baldaquino de púrpura, bordado de ouro, com esmeraldas e pedras preciosas:20. Ela levantou os olhos para o seu rosto e inclinou-se profundamente diante dele até o solo. Os servos de Holofernes levantaram-na por ordem do seu senhor.Capítulo 111. Então Holofernes disse-lhe: Tranqüiliza-te! Não temas em teu coração, pois nunca fiz mal algum a quem estivesse pronto a servir o rei Nabucodonosor.2. Se teu povo não me tivesse desprezado, eu não teria levantado a minha lança contra ele.3. Mas dize-me, agora, por que os deixaste e vieste para o meio de nós?4. Judite respondeu-lhe: Ouve as palavras de tua serva, porque se seguires as palavras que te vou dizer, o Senhor chegará aos seus fins por ti.5. Juro-o por Nabucodonosor, rei da terra, e por seu poder que está nas tuas mãos para castigo daqueles que se desviam, porque não somente contribuis para que os homens o sirvam, mas até os animais do campo lhe obedecem.6. A sabedoria de teu espírito é, com efeito, célebre em todas as nações, todo o mundo sabe que és o único bom e poderoso em seu reino, e tua administração é louvada em todas as províncias.7. O que disse Aquior não é um segredo e ninguém ignora o que ordenaste que lhe fosse feito.8. Porque é manifesto que nosso Deus está de tal forma ofendido pelos pecados do povo, que lhe mandou dizer por meio de seus profetas, que o entregaria por causa de seus pecados.9. E como os israelitas sabem que ofenderam o seu Deus, tu te tornaste um objeto de terror.10. Além disso, a fome aperta-os e pela falta de água estão já como mortos.11. Chegam até a matar os seus animais para beberem o seu sangue.12. E mesmo as primícias consagradas ao Senhor, seu Deus, que o Senhor lhes proibiu tocar - trigo, vinho e azeite - eles pensam empregá-las, e querem assim comer aquilo que não lhes é permitido nem tocar com as mãos. Procedendo assim, é certo que serão entregues à ruína.13. E eu, tua serva, que sei de tudo isto, fugi do meio deles, e o Senhor mandou-me a ti para dizer-te estas coisas.14. Porque tua serva teme a Deus, mesmo junto de ti, e ela sairá do acampamento para orar a Deus.15. Ele me dirá quando vai puni-los pelos seus pecados, e eu to virei dizer. Levar-te-ei então até o coração de Jerusalém, e encontrarás todo o povo de Israel como um rebanho de ovelhas sem pastor, e não haverá sequer um cão para ladrar contra ti.16. Isto me foi dito pela providência divina;17. e como Deus está irritado contra eles, fui enviada para to anunciar.18. Holofernes e seus servos alegraram-se com este discurso, e admiraram a sabedoria de Judite, dizendo uns aos outros:19. Não há sobre a terra mulher semelhante a esta no valor, na beleza e na sabedoria de suas palavras.20. Holofernes disse-lhe: Deus fez muito bem em te mandar antes do povo, a fim de que possas entregá-lo nas nossas mãos.21. Teu plano é bom: se teu Deus fizer isto por mim, ele será também o meu Deus, e tu serás grande na casa de Nabucodonosor, e o teu nome será célebre em toda a terra.Capítulo 121. Mandou então que a introduzissem onde estavam os seus tesouros, ordenando-lhe que ficasse ali, e regulou o que se lhe devia dar de sua mesa.2. Judite respondeu-lhe: Não posso agora comer do que me mandaste servir, para não cometer infração (contra a Lei); comerei do que trouxe comigo.3. Holofernes disse-lhe: E quando acabarem as provisões que trouxeste contigo, que poderemos fazer por ti?4. Por tua vida; meu senhor, replicou Judite, juro que tua serva não gastará todas estas coisas, sem que Deus realize pela minha mão o que resolvi fazer. Os escravos de Holofernes introduziram-na então na tenda que ele tinha designado.5. Aí entrando, Judite pediu que lhe fosse permitido sair à noite e antes do amanhecer, para fazer suas devoções e orar ao Senhor.6. Holofernes ordenou aos seus escravos que a deixassem sair e entrar como quisesse, durante três dias, para adorar o seu Deus.7. Cada noite ela saía ao vale de Betúlia e fazia as suas abluções numa fonte.8. Ao voltar, rogava ao Senhor Deus de Israel que lhe dirigisse os passos para a libertação do seu povo.9. Entrava em seguida na sua tenda, e ali permanecia pura até que tomava a sua refeição pela tarde.10. No quarto dia, Holofernes deu um banquete aos seus oficiais. E disse a Vagao, seu eunuco: Vê se persuades a essa judia que consinta espontaneamente em tornar-se minha concubina.11. (Entre os assírios era coisa vergonhosa que uma mulher zombasse de um homem, retirando-se sem se ter dado a ele.)12. Vagao foi ter com Judite e disse-lhe: Não tema a boa jovem entrar à presença de meu senhor; ser-lhe-ia uma honra comer em sua companhia e beber vinho alegremente.13. Quem sou eu, respondeu ela, para opor-me ao meu senhor?14. Farei tudo o que parecer bom e melhor aos seus olhos; o que mais lhe agradar, isso será também para mim o melhor durante toda a minha vida.15. Ela levantou-se e, trajada com requinte, apresentou-se diante dele.16. O coração de Holofernes agitou-se, porque ardia de paixão por ela.17. Come e bebe alegremente, disse-lhe ele, pois encontraste graça aos meus olhos.18. Ao que respondeu Judite: Eu beberei, senhor, porque nunca em minha vida me senti tão engrandecida como hoje.19. Mas ela tomou e comeu do que a sua serva lhe tinha preparado, e bebeu com ele.20. Holofernes alegrou-se grandemente por tê-la junto dele, e bebeu vinho como nunca tinha bebido.Capítulo 131. Anoiteceu. Os oficiais apressaram-se em voltar aos seus aposentos. Vagao fechou as portas do quarto e foi-se.2. Estavam todos embriagados pelo vinho.3. Judite ficou só no seu quarto,4. enquanto Holofernes repousava em seu leito, bêbedo a cair.5. Judite havia dito à sua serva que ficasse fora, diante do quarto, vigiando.6. De pé ao lado do leito, movendo em silêncio os lábios, ela orou com lágrimas a Deus, dizendo:7. Senhor, Deus de Israel, dai-me força. Olhai agora o que vão fazer minhas mãos, a fim de que, segundo a vossa promessa, levanteis a vossa cidade de Jerusalém, e eu realize o que acreditei ser possível graças a vós.8. Dizendo isto, aproximou-se da coluna que estava à cabeceira do leito e tomou a espada que ali estava pendurada;9. desembainhou-a e, tomando os cabelos de Holofernes, disse: Senhor, dai-me força neste momento!10. Feriu-o duas vezes na nuca e decepou-lhe a cabeça. Desprendeu em seguida o cortinado das colunas, e rolou por terra o corpo mutilado.11. Feito isto, saiu e deu à sua serva a cabeça de Holofernes para que a metesse no saco.12. Depois saíram ambas, como de costume, como se fossem para a oração. Atravessaram o acampamento, contornaram o vale e chegaram às portas da cidade.13. De longe, Judite gritou aos guardas dos muros: Abri as portas, porque Deus está conosco; ele manifestou o seu poder em favor de Israel.14. Ouvindo estas palavras, os homens chamaram os anciãos da cidade,15. e toda a população correu para ela, desde o menor até o maior, porque não esperavam mais que ela voltasse.16. Juntaram-se todos ao redor dela com tochas acesas. Judite, subindo a um lugar mais alto, pediu que se fizesse silêncio. Todos se calaram.17. Louvai ao Senhor nosso Deus, disse-lhes ela, que não abandonou os que puseram nele a sua esperança,18. e que cumpriu pelas mãos de sua serva a sua promessa de misericórdia à casa de Israel; esta noite ele matou por minha mão o inimigo de seu povo.19. Retirando então do saco a cabeça de Holofernes, mostrou-lha dizendo: Eis a cabeça de Holofernes, marechal do exército assírio, e eis o cortinado do baldaquino onde se achava deitado, ébrio a cair, quando o Senhor, nosso Deus, o feriu pela mão de uma mulher.20. Mas juro-vos, pelo mesmo Senhor, que o seu anjo me protegeu, tanto ao partir, como ao demorar-me lá, e como ao voltar, e o Senhor não permitiu que sua serva fosse manchada: ele reconduziu-me a vós livre de toda a mancha de pecado, cheia de alegria por sua vitória, pela minha salvação e pela vossa libertação.21. Dai-lhe glória todos vós, porque é bom, porque a sua misericórdia é eterna!22. Então todos, adorando o Senhor, disseram a Judite: O Senhor te abençoou com o seu poder, porque ele por ti aniquilou os nossos inimigos.23. Ozias, príncipe do povo de Israel, acrescentou: Minha filha, tu és bendita do Senhor Deus altíssimo, mais que todas as mulheres da terra.24. Bendito seja o Senhor, criador do céu e da terra, que te guiou para cortar a cabeça de nosso maior inimigo!25. Ele deu neste dia tanta glória ao teu nome, que nunca o teu louvor cessará de ser celebrado pelos homens, que se lembrarão eternamente do poder do Senhor. Ante os sofrimentos e a angústia de teu povo, não poupaste a tua vida, mas salvaste-nos da ruína, em presença de nosso Deus.26. E todo o povo respondeu: Assim seja! Assim seja!27. Mandaram então vir Aquior, e Judite disse-lhe: O Deus de Israel, de quem testemunhaste que toma vingança dos seus inimigos, cortou esta noite por minha mão a cabeça de todos os infiéis.28. Para provar-te que assim é, eis aqui a cabeça de Holofernes que, na insolência de seu orgulho, desprezava o Deus de Israel e te ameaçava de morte, dizendo: Quando o povo de Israel for vencido, mandarei passar-te ao fio da espada.29. Vendo a cabeça de Holofernes, Aquior foi tomado de pavor e caiu com o rosto por terra, sem sentidos.30. Quando recobrou os sentidos e voltou a si, jogou-se aos pés de Judite em sinal de reverência e disse: Sê bendita de teu Deus em todas as tendas de Jacó, porque o Deus de Israel será glorificado por causa de ti entre todas as nações que ouvirem o teu nome.Capítulo 141. Então Judite disse a todo o povo: Ouvi-me, irmãos, pendurai esta cabeça no alto de nossas muralhas.2. Quando o sol se levantar, tome cada um as suas armas e saí com ímpeto, não para descerdes simplesmente (até o vale), mas como para atacá-los.3. Será necessário que as sentinelas corram a acordar o seu general para o combate.4. Quando os seus chefes tiverem corrido à tenda de Holofernes e o encontrarem decapitado, jazendo no seu próprio sangue, serão tomados de pavor.5. E quando os virdes fugir, persegui-os destemidamente, porque o Senhor os esmagará sob os vossos pés.6. Então Aquior, vendo o poder que manifestara o Deus de Israel, abandonou o culto pagão, creu em Deus, circuncidou-se e foi incorporado ao povo de Israel, assim como toda a sua descendência até o dia de hoje.7. Logo que raiou o dia, penduraram nas muralhas a cabeça de Holofernes, cada um tomou as suas armas e saíram fazendo um grande alarido e soltando gritos agudos.8. Vendo isto, correram as sentinelas à tenda de Holofernes.9. Os que estavam na tenda vieram (ver) e fizeram grande barulho à porta do quarto para o despertar, e aumentavam cada vez mais o tumulto para que Holofernes acordasse com o ruído, sem que houvesse necessidade (de entrar) para o acordar.10. Porque ninguém ousava bater na porta nem entrar no quarto do marechal dos assírios.11. Mas chegando os generais com os tribunos e com todos os oficiais do exército do rei dos assírios, ordenaram aos camareiros:12. Entrai e despertai-o, porque os ratos saíram de seus buracos e se atrevem a nos provocar ao combate.13. Então Vagao, entrando no quarto, parou diante da cortina e bateu com as mãos, porque supunha que ele dormia com Judite.14. Aplicando, porém, os ouvidos e não percebendo movimento algum de um homem que dorme, aproximou-se da cortina e a levantou. À vista do cadáver de Holofernes decapitado, que jazia por terra num charco de sangue, soltou um forte grito, rompeu em lágrimas e rasgou as suas vestes.15. Entrou então na tenda de Judite e não a encontrou. Correu para fora e disse ao povo:16. Uma judia pôs a confusão na casa do rei Nabucodonosor: Holofernes jaz ali caído por terra, e a sua cabeça não está com o corpo!17. Ouvindo estas palavras, todos os oficiais do exército assírio rasgaram suas vestes, um terror e um espanto extremos os invadiram, e os seus espíritos ficaram completamente desorientados, e um clamor indescritível levantou-se do acampamento.Capítulo 151. Quando todo o exército soube que Holofernes tinha sido decapitado, perderam a razão e o conselho. Agitados pelo espanto e pelo terror, buscaram a salvação na fuga.2. Sem trocar uma palavra sequer com o seu vizinho, com a cabeça baixa, deixando tudo, fugiram pelas planícies e pelos montes, procurando escapar aos hebreus, pois ouviam que vinham armados sobre eles.3. Os israelitas, vendo-os fugir, perseguiram-nos. Desceram as encostas atrás deles tocando a trombeta e soltando grandes gritos.4. E como os assírios iam fugindo desordenadamente, os israelitas que os perseguiam juntos, formados em batalhão, destroçavam todos os que podiam atingir.5. Ozias mandou mensageiros a todas as cidades e províncias de Israel.6. Assim, cada localidade e cada cidade armou o melhor de sua juventude e a enviou contra os assírios, e perseguiram-nos à ponta de espada até a sua fronteira mais afastada.7. Entretanto, os que tinham ficado em Betúlia, entraram no acampamento dos assírios e levaram um enorme despojo deixado pelo inimigo em sua fuga.8. Enfim, aqueles que voltaram vitoriosos para Betúlia, trouxeram consigo tudo o que pertencera aos assírios, um numeroso rebanho, grande quantidade de material e de animais de carga; e assim todos, desde o maior até o menor, se enriqueceram com seus despojos.9. Veio então de Jerusalém a Betúlia o sumo sacerdote Joaquim com todos os anciãos para ver Judite.10. Quando ela lhes veio ao encontro, abençoaram-na todos a uma só voz, dizendo: Tu és a glória de Jerusalém; Tu és a alegria de Israel, tu és a honra de nosso povo.11. Deste prova de alma viril e coração valente. Amaste a castidade, e não quiseste, depois da morte do teu marido, conhecer outro homem; então o Senhor te fortaleceu e por isso serás eternamente bendita.12. Ao que todo o povo respondeu: Assim seja! Assim seja!13. Trinta dias mal bastaram ao povo de Israel para recolher os despojos dos assírios.14. Tudo o que se soube ter pertencido a Holofernes, o povo deu-o a Judite: ouro, prata, vestes, pedras preciosas e outros objetos.15. Todo o povo entregou-se a grandes festas, com as mulheres, com as jovens e com os jovens, ao som de harpas e cítaras.Capítulo 161. E Judite expressou-se nestes termos: Entoai um cântico ao meu Deus com tamborins, cantai ao Senhor com címbalos. Entoai-lhe salmos e louvores, exaltai e invocai o seu nome.2. Porque é um Deus que extermina guerras - Senhor é o seu nome. Acampou no meio do seu povo e me livrou da mão de todos os meus inimigos.3. Assur veio das montanhas, do norte, veio com imensa tropa de guerreiros. Multidão de encher os vales, cavalaria de cobrir morros inteiros!4. Jurara incendiar a minha terra. Passar meus jovens ao fio da espada e esmagar minhas criancinhas, levar embora meus filhos e minhas filhas, ao cativeiro...5. O Senhor onipotente os rechaçou, por mãos de uma mulher!6. Seu caudilho foi derrotado, não por jovens; foi ferido, não por filhos de Titãs; vencido, não por gigantes enormes: foi Judite, filha de Merari, quem o paralisou com a formosura de seu rosto.7. Despiu o seu vestido de viúva, para consolação dos que sofriam em Israel. Ungiu o rosto com essência perfumada,8. cingiu os cabelos com um diadema e vestiu um vestido de linho, para o seduzir.9. Suas sandálias arrebataram-lhe os olhos, sua beleza extasiou-lhe a alma, e a espada lhe decepou a nuca.10. Os persas tremeram de ver tamanha valentia, os medos se acovardaram perante sua audácia.11. Então, os humildes gritaram, e eles tremeram espavoridos, os fracos (do meu povo) clamaram, e eles foram tomados de espanto; ao estrépito das vozes, deitaram a fugir.12. Filhos de jovens mães os transpassaram e, como a meninos fugitivos, os feriram: ei-los derrotados na batalha de meu Senhor!13. Cantarei a Deus um cântico novo: Sois grande, Senhor, sois glorioso, de admirável poder, invencível.14. Todas as criaturas vos rendam homenagem, porque com uma só palavra fizestes todas as coisas; enviastes o vosso espírito, e foram criadas, e nada pôde resistir à vossa voz.15. Podem abalar-se montanhas e águas, rochedos derreter-se como cera diante de vossa face: para aqueles que vos temem sereis sempre propício.16. Bem pouca coisa é o sacrifício de suave fragrância, é como nada a gorda carne dos sacrifícios; quem teme ao Senhor, este é grande, para sempre!17. Ai das nações que se insurgirem contra o meu povo! No dia do juízo as punirá o Senhor todo-poderoso: entregará as suas carnes aos vermes e ao fogo, e hão de chorar eterna dor.18. Depois desta vitória, todo o povo foi a Jerusalém para adorar o Senhor. Purificaram-se e todos ofereceram os seus holocaustos, cumprindo os seus votos e suas promessas.19. Judite ofereceu todas as armas de Holofernes recebidas do povo, e o cortinado que ela mesma tinha tirado do leito de Holofernes para que servisse de anátema de esquecimento.20. O povo alegrou-se grandemente diante do santuário, e o regozijo desta vitória foi celebrado com Judite durante três meses.21. Terminada a festa, cada um voltou para a sua casa, e Judite, que tinha grande crédito em Betúlia, adquiriu ainda maior renome em todo o país de Israel.22. À coragem juntava a castidade, de tal sorte que nunca em toda a sua vida conheceu outro homem, desde que morreu Manassés, seu marido.23. Nos dias de festa aparecia em público com todos os seus adornos.24. Ela viveu cento e cinco anos na casa de seu marido, e deu liberdade à sua escrava. Morreu e foi sepultada em Betúlia junto de seu marido.25. Todo o povo a chorou durante sete dias.26. Em todos os dias de sua vida, e muitos anos depois de sua morte, não houve quem perturbasse a paz de Israel.27. O aniversário de sua vitória foi posto pelos hebreus no número dos dias santos, e ainda hoje é celebrado pelos judeus.

Por que, segundo os protestantes, o livro de Judith não está no seu cânone e, segundo os católicos, é um apócrifo :
"Uma Mulher Jejuando Toda Sua Vida
Judith 8:5, 6. "E ela fez para si um aposento separado no andar superior de sua casa no qual vivia com suas servas. Seu vestido era de cabelo de crina e ela jejuava todos os dias de sua vida, com exceção dos sábados, das luas novas e demais festas da casa de Israel." Esta passagem é parecida a outras lendas católicas romanas, com respeito a seus santos canonizados. Uma mulher dificilmente jejuaria toda sua vida, com exceção de um dia da semana e algumas outras ocasiões durante o ano. Cristo jejuou quarenta dias, porém não toda a Sua vida. 9. Outra Contradição BíblicaJudith 9:2. "Ó Senhor Deus, do meu pai Simeão, a quem deste a espada para executar vingança contra os gentios." Jesus não tinha nenhuma relação com o fato de ser dada "a espada para executar vingança" contra os habitantes de Siquém. Gên. 34:30. Notemos o que Jacó, o pai de Simeão, disse, conforme se acha registrado em Gênesis: "Tendes-me turbado, fazendo-nos cheirar mal entre os moradores desta terra." Gên. 49:5-7, ao estender a sua bênção antes de morrer, pronunciou uma maldição sobre Simeão e Levi, por seu ato cruel. Disse ele: 'maldito seja o seu furor, pois era forte, e a sua ira, pois era dura'. E, devido a isso, haviam de ser divididos e espalhados em Israel. Rom. 12:19. A vingança pertence a Deus. É Ele quem há de recompensar. Rom. 12:17. Não tornemos mal por mal. Simeão estava fazendo justamente o contrário. O livro de Judith deve ser colocado entre os livros não inspirados, e não deve ter lugar no Cânon."