21.8.05

HH

Poesia Circular
TEORIA E LAVRA DO SONETO - TEORIA

Campo de prova, rubra aciaria
o soneto é metal em usufruto.
Aro do só, dormida simetria,
rosoblonga matriz, corpo soluto,
não há como fugir à dessangria
de gomos por ligar. País enxuto,
aparente melão, sapota fria,
sabe o soneto a rolha de bismuto.
Reprensado em lagar, no decilitro
comporta-se o soneto como arguto
plantel de alternativa: mudo espia
dirá do seu sabor o travo citro,
do seu casto labor, vã iguaria;
do seu peso infiel, inócuo fruto.

Estas da minha înfância

PÉS DE FREI DAMIÃO
à Sanderson Negreiros e Carlos Lyra

Em repouso, já fora das sandálias,
No estradinho com fronha e travesseiro
Os pés de Frei Damião são retirantes
Arranchados à sombra do ingazeiro.
Revestidos de pó e couro cru,
almilharam caatingas, arruados,
Serrotes do sertão, adros de fé,
Santas Missões de ex-votos e esconjuro.
Os pés de Frei Damião sem as palmilhas
São ilhas de repouso merecidas,
Varandas brancas, redes de dormir,
Alpendres sertanejos, velhos pousos.
No estradinho , libertos das sandálias
Os pés de Frei Damião soltos no pasto na madorna
São dois jumentos livres da cangalha.
Os pés de Frei Damião no tabuleiro
São ovelhas senis. Alvas marrãs
De pêlo penteado a carrapicho,
Já deram carne tenra e branca lã.
Rudes pés de aliança tão antigas...
Viram sóis e luares, seus colapsos.
Guiaram pelos céus as avoantes
Das bênçãos, confissões, apocalipses.
Os pés de Damião, velhas rodagens
Transportaram volantes de socorro
A fazendas e sítios, cariris,
Grotas de solidão, abas de morro.
Carmelitas Capuchos Franciscanos,
Gerações de famílias caminheiras
E de avoengos Adões espirituais
Dormem nos cemitérios desses pés.
Os pés de Frei Damião são como a obra
Da ema correndo pelo descampado,
Preparando o sertão para o inverno,
Limpando várzeas e comendo cobras.
Despidos das sandálias, no banquinho
Os pés de Frei Damião, velhos vaqueiros
Conduziram rebanhos bem guardados
Pelas trilhas de aboio e cangaceiro.
Pias de carne e osso, velhas plantas
De amor e fé em Deus itinerante,
São água-benta, potes de matar
A sede espiritual do retirante.
Espantalho do Cão com suas tretas
Os pés lavados de Frei Damião
São loções de limpeza e de esconjuro
Vertidas na moleira do Capeta.
Já fora da bainha das sandálias
Os pés exaustos de Frei Damião
São ainda punhais, santas peixeiras
Cravadas no vazio do Bandalha.
Onde não chega a luz da Prefeitura
Nem o luar a gás dos candeeiros,
As plantas de Damião em terra escura
Deram safras de velas nos Cruzeiros.
Trilha agreste de cacto e xiquexique,
Via Sistina no sertão dos rudes,
Os pés de Frei Damião com as alparcas
São aguadas, marrecas nos açudes.
Do cafundó à costa das salinas,
Nos carneiros e lousas desses pés
dormem as velhas gerações meninas
De um Brasil de apragatas e buréis.
Chão de mocó e vale da caiana,
As solas de Damião no massapé
Cresceram como partidos de cana,
Deram o de vestir e o de comer.
Os pés dormentes de Frei Damião
São velhos alquebrados; são os cacos
Das moringas, já secas, dos cassacos,
Espalhados e inúteis pelo chão.
Os pés de Frei Damião já foram bilros
Tecendo renda fina de almofada
Pela mão das rendeiras.
Alugados Preparando leirões com as enxadas.
Os pés de Frei Damião são horizontes
De arribaçãs voando em formação,
Tesouras recortando vento Leste,
Asas do agreste, pios do sertão.
Os pés de Frei Damião são caritós
Filhas da Imaculada Conceição,
Enfeitando presépios de Natal,
Ensaiando lapinhas de São João.
Os pés de Frei Damião são camorins
Desovados na calma das gamboas,
Guiando seu cardume de filhotes
Pelas bocas do mar, rumo ao Sem-Fim.
Arca da boca apenas com dois sisos,
Os pés de Damião são Lázaros velhos
Vestidos de silêncio, já chegados
À casa do Senhor, para o Juízo.
Sem o porém das meias e o conforto
Das sandálias de couro de carneiro,
Os pés de Frei Damião são sesmarias,
Horto dos simples, porto do romeiro.
Carregados das marcas e dos selos
Das topadas e lanhos recebidos
No serviço de Deus; e da carícia
Dos ungüentos dos dias percorridos,
Filhos já velhos de Nosso Senhor
Na modéstia infinita do cansaço,
Os pés de Frei Damião adormecido,
No tabuleiro caminham no andor.

CIDADE DO NATAL
à Cassiano Arruda Câmara

A praia com sua saia De cambraia. A cidade no seu platô de vento. O verão com seu calção De brisa.
Natal à noite: Marquisa iluminada Pelos refletores dos Reis Magos E o Farol da Mãe Luiza.
Praia do Meio, 8
de Janeiro de 76.

O PESCADOR E O VENTO
À Luís Maranhão Filho, onde estiver, in memoriam
da infância na Praia do Meio e da adolescência no Atheneu

Numa canoa de sol A manhã me faz ao largo. À noite tiro meu peixe. Um pargo.
Moreia Sete Dentadas Cortantes como rocega Vento Nordeste, na volta Me pega.
Ostra da arrebentação, Me lanha a tábua do queixo, Crava dente, tira bife Na gengiva do ar - recife.
Vento filho de uma grota, Como uiva. Aracati de uma figa, Como briga.
No Pontal do Sirigado Com seu chicote queimado Me surra. Na Croa da Água Bela Com seu anzol de barbela Me fisga.
“Desgraçado, toma umas & outras, morre a teu gosto” Sopra o terral no seu buso Em agosto.
“Dente ciso cariado, Cera do Dr. Lustosa, Japona, chapéu de palha,
Talagada de aguardente Com siri de tira-gosto, Tudo isso é bom encosto”
Sudeste, vento aloprado. Desarruma qualquer rota. Dá nó na barba do mar, Entorta vôo de gaivota.
Vento ruim, bandoleiro, Sobrosso de terra e costa. Na Praia do Cotovelo, Já sem força no revólver
Dispara bala de vento. O tiro bate no ar, Ricocheteia na Lua, No relento se dissolve.
Na Ponta da Pedra Lisa Já de porre,
Vira brisa, assovia Lento, morre. Numa rede de cem braças, Velha E suja, Fedendo a mijo de arraia,
Debaixo do cajueiro como qualquer um de nós Se enterra o Vento Na praia.
Barra do Cunhaú, RN,
janeiro de 1976.


Por essas agradeço a mailto:nascimento_45@hotmail.comonde pode-se ler um pouco mais sobre Homero Homem

Johnn Donne por Augusto de Campos

..........ELEGIA: INDO PARA O LEITO

Vem, Dama, vem, que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda, quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens. Tu, meu Anjo,
és como o CéuDe Maomé.
E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu Anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.; ; ;
Deixa que a minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima, em baixo,
entre.Minha América! Minha terra à vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu Império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo; ; ;
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo)sem Vestes.
As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atalanta:
O olho do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa,
feitaPara iletrados, a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-Te:
atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.; ; ;
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.

Johnn Donne, traduzido/recriado por Augusto de Campos. In: Campos, Augusto de (1931- ). S. Paulo, Companhia das Letras, 1986 .