14.3.08

Ouroboros na cosmogonia cabocla

Os mais velhos contavam essa quando nós os miúdos nos mostrávamos curiosos demais, ingratos ou insatisfeitos pelo modo como são as coisas.



No começo não tinha noite.
Antes era sempre dia.
Todo mundo reclamava porque não tinha hora de descanso, não se podia dormir.
A cobra-grande guardava a noite escondida dentro de um caroço de tucumã. Ela morava na cabeceira do rio dentro do tronco de uma árvore.
A cobra grande tinha uma filha.
Um dia o filho do cacique quis casar com a filha da cobra-grande.
Ela mandou o caroço de tucumã para a filha; mandou três índios levarem o presente rio abaixo e disse a eles que não abrissem o coco.
Eles entraram na canoa e desceram o rio e no meio da viagem ficaram curiosos com os barulhos que podiam ouvir dentro do caroço de tucumã. Eram os barulhos da noite.
Eles tiraram a cera que fechava o caroço e de repente tudo ficou escuro. A noite tinha escapado de dentro do coco e não tinha mais dia.
Era só escuridão.
Os índios que estavam na canoa se perderam e viraram macacos da noite.
Quando tudo ficou escuro a cobra-grande soube que os índios tinham deixado a noite escapar de dentro do caroço de tucumã e resolveu deixar tudo assim mesmo que era para dar uma lição na humanidade.
E ficou sendo noite o tempo todo.
O povo da aldeia ficou preocupado, mas a filha da cobra-grande contou o que sabia sobre o caroço de tucumã onde sua mãe guardava a noite e resolveu subir o rio e pedir que guardasse a noite de novo porque o povo já não podia caçar nem pescar e tudo estava em confusão. A cobra-grande então resolveu que não ia fazer ficar sempre dia não, mas que ia fazer ficar um pouco dia e um pouco noite.
Foi assim e é como tem sido até hoje.