4.9.07

Os que desbravam, os que elucidam

Depois de tanto tempo longe das luzes da cidade volto a Salvador e não me sinto um cego agradecido por retomar a visão destes escolhos, andrajos elegantes, deslumbres inconseqüentes atados à ditadura da novidade. Não sou dos que militam contra o progresso, mas acho importante desconfiar dele. Meditar sobre o que perdemos em troca de facilidades tecnológicas.
Fico triste. Parece que nunca teremos outro Vermeer. Ele que soube aproveitar e entender tão bem a luz do dia através de uma janela como um toque que doura e dignifica o nível do facilmente digerível e perceptível e (claro) lúbrico, como tema e a penumbra que lhe fazia oposição e ocultava a gama de significados necessários ao mistério e à tudo que, por permanecer indecifrável, é o lugar de sobrevivência da arte.
Não é tão alegre acionar um interruptor e ver despejar-se agressivamente a luz amarela de uma lâmpada elétrica como era alegre, intimamente alegre, o acender dos candeeiros. Um ritual magnífico quando se levantavam os adultos todos juntos seguindo pelo corredor escuro. Logo uma luz mortiça na cozinha e o cheiro delicioso de querosene. Avançavam o corredor cada qual com seu candeeiro como uma procissão e depunham-nos sobre as mesas ou penduravam-lhes aos ganchos presos nos caibros do telhado. Sempre em silêncio ou murmúrio porque logo em seguida o radio faria soar a ave-maria.
Fico imaginando o que meditavam sobre a invenção dos candeeiros os acostumados à fricção do sílex.

3 comentários:

ninguém disse...

ô texto inspirado, menino. entrei na cena e te juro que é ruim sair.
bj

Cynthia Lopes disse...

Mercúrio vive!!!! É bom desconfiar do que todo mundo parece adorar sem entender. Visitando outros mensageiros cheguei até seu blog (irresistível), um grande abraço, Cynthia

Petra Constantino disse...

Proguedir sem se esquecer num canto qualquer da vida, ou num munturo qualquer da via-láctea seria o segredo. Entendo que as coisas evoluem, e devem evoluir. Porém, não compreendo evolução como abandono. A base do novo está justamente no mais antigo. Mas, se o novo é uma novidade tão grande assim, que nem temos uma base dele em nossa memória, então diria que aí não houve evolução de uma mesma coisa, mas uma imposição de uma outra, e pior, com um falso rótulo de "melhor". Grande abraço!