2.12.07

Teatro de Bonecos

Ela _ Ela possui mil braços e em cada mão apenas o indicador. Os dois pés são como patas de elefante que se levantam alternadamente e com grande esforço por conta do peso de quinhentos braços que cada um suporta. Na cabeça quatro orifícios, três miram cegos os pontos cardeais, o globo ocular único gira livremente dentro da cabeça.

Ele _ Ele se constitui de um corpo longo e esguio, sem membros, na extremidade inferior foi acoplado um lado de patim, o direito, que se move pela força de seu pensamento. Na extremidade superior também apenas um olho, com um só orifício frontal, o que só lhe permite olhar para frente.

Ela e Ele vivem cada qual em uma das extremidades de uma tábua de leis que oscila sobre os ombros de um corcunda. O corcunda não precisa se preocupar com o equilíbrio da tábua, apenas a sustenta e, mesmo sabendo da existência deles ignora de que lado da tábua cada um está. Isso lhe poupa julgar as oscilações que sente.
O corcunda é fiel em sua função e não se importa muito com o peso que carrega. Está feliz em imaginar os movimentos que aqueles fazem para fazer oscilar a tábua.
A queixa do corcunda é a falta de possibilidades de manobra.
Um estranho pássaro amarelo vem constantemente lustrar as quatro rodas do patim d’Ele e catar as pérolas barrocas que Ela lhe oferece como alimento.

Ela costuma gritar as leis inscritas na tábua. Um escriba cego traduz para um gravador em trinta e seis línguas mas, terminada a fita apaga o já gravado e recomeça.

Ela _ O que está em cima é igual ao que está em baixo, o que está em cima permanece em cima, o que está em baixo permanece em baixo.
( Ao dizer isso aponta com vinte braços direitos para cima e dezenove braços esquerdos para baixo. O escriba traduz em grego para o gravador).

Ele rola seu patim para equilibrar a tábua que oscilou sob o movimento dos trinta e nove braços d’Ela. Faz isso para aliviar o trabalho do corcunda.

Ela _ Um peso e uma medida. Para cada peso uma medida.
(Lança uma pérola para o pássaro que a apanha no ar antes de sumir entre nuvens).

Vez ou outra uma pérola cai, por distração, no chão. O corcunda é suficientemente estúpido para deseja-la, mas nunca pôde alcançar nenhuma. Isso faz do chão um terreno não muito seguro para o corcunda e para todos sobre ele. Apenas o corcunda sofre com a consciência disso.

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