23.12.08
No fundo do armário de bonecos
22.12.08
A Vaca de Fogo
À porta daquela igreja vai um grande corrupio.
Às voltas de uma coisa velha reina grande confusão.
Às voltas de uma coisa velha reina grande confusão.
Os putos já fogem dela deitam fogo a rebentar.
Os putos já fogem dela deitam fogo a rebentar.
Soltaram uma vaca em chamas com um homem a guiar.
Soltaram uma vaca em chamas com um homem a guiar.
São voltas. Ai, amor são voltas.
São as voltas, são as voltas da maralha.
Ai, são voltas. Ai, amor são voltas.
São as voltas da canalha.
Ai, são voltas, sete voltas.
São as voltas da maralha.
Ai, são voltas, sete voltas.
São as voltas da canalha.
À porta daquela igreja vive o ser tradicional.
À porta daquela igreja vive o ser tradicional.
Às voltas de uma coisa velha e não muda a condição.
Às voltas de uma coisa velha e não muda a condição.
À porta daquela igreja vai um grande corrupio.
À porta daquela igreja vai um grande corrupio.
Às voltas de uma coisa velha reina grande confusão.
Às voltas de uma coisa velha reina grande confusão.
São voltas. Ai, amor são voltas.
São as voltas, são as voltas da maralha.
Ai são voltas. Ai, amor são voltas.
São as voltas da canalha.
Ai são voltas, sete voltas.
São as voltas da maralha.
Ai são voltas, sete voltas.
São as voltas da canalha".
Madredeus
13.12.08
Os muitolentos e os muitorrápidos

Duas raças ignorando-se.
Alguns dos muitolentos passaram a cogitar a existência dos muitorrápidos quando encontraram seus cemitérios. Os muitorrápidos demoraram um pouco para começar a cultuar seus mortos. Logo em seguida vieram as construções de moradia. Os muitolentos não tinham nenhuma noção da arquitetura dos muitorrápidos; não lhes era possível distinguir entre uma tumba e uma casa, pois ambas mostravam-se sempre vazias. Estes tinham uma constituição muito frágil e seus cadáveres decompunham-se com a mesma rapidez com que viviam. Esta impossibilidade de distinguir a função daquelas arquiteturas gerou entre os muitolentos discordância sobre a possibilidade de existência de uma civilização assim tão efêmera. Os crentes desenvolveram uma mania de perseguição e os não crentes várias teorias sobre geração espontânea da matéria.
Já os muitorrápidos conheciam os muitolentos desde sempre, mas não lhes era possível entende-los como uma civilização. Talvez um sábio dos muitorrápidos que se dedicasse a catalogar aquelas formas pudesse percebê-las como civilização. Para eles a sabedoria era uma febre que precisava ser rapidamente curada. A maioria dos muitorrápidos morria antes de começar a fazer conjecturas.
Obviamente aquelas formas que os muitorrápidos entendiam como estáticas se moviam, mas uma só geração não era suficiente para constata-lo. Talvez não fosse necessário dizer, mas os muitolentos tinham uma vida longa enquanto os muitorrápidos não duravam mais que um piscar de olhos daqueles.




As imagens que ilustram o texto são de Misha Gordin. Veja mais de suas 'conceptual photographys' clicando aquí.
8.12.08
Tirinhas
24.11.08
"As Rosas não Falam – 100 anos de Cartola"




Pedro Morais interpreta canções de Cartola. A singularidade da vida cotidiana e amorosa dos morros expressa nos samba-canções compostos pelo autor orienta a escolha de um repertório que inclui, dentre outras, Autonomia e Alvorada.
Jarbas Bittencourt
Teatro Gamboa Nova
28 e 29 de Novembro
20 hs
Rua Gamboa de Cima, nº 3- Lgo. dos Aflitos
Informações: 3329.2418
Ingresso: inteira R$10 e meia R$ 5,00 (promoção - meia para todos)
*
Violão - Mauricio Azevedo
Clarineta - Vanessa Melo
Percussão – Boka Reis e Cuca
Teclados e Acordeon – Jelber Oliveira
Cantoras Convidadas - Sandra Simões, Janaina Carvalho e Grupo Viva Voz
Técnico de som - Felipe Menezes
Fotografia – Alessandra Nohvais
Programação Visual – Clara Oliveira Carolina
Realização
Pedro Morais e NuMiollo - Núcleo de investigação da Cena. Grupo Residente na Aliança Francesa de Salvador
11.11.08
Sesi Bonecos 2008
"Festival de teatro de bonecos chega a SalvadorProjeto SESI Bonecos 2008 percorre o Nordeste para apresentar os mais destacados nomes da arte de manipulação de bonecos do BrasilEntre os dias 10 e 16 de novembro, Salvador recebe o maior festival de teatro e animação do mundo, o SESI Bonecos do Brasil. Oficinas, desfiles e apresentações fazem parte da programação do evento. Nos dias 10, 11 e 12 de novembro são oferecidas gratuitamente, no Teatro SESI Rio Vermelho, oficinas de bonecos com o artista Marcos Malafaia. A arte tomará conta do Largo do Terreiro de Jesus e do Cruzeiro de São Francisco, no Pelourinho, dias 15 e 16/11, a partir das 16h30 com a participação de teatro Lambe-Lambe, da companhia Diversos Grupos, espetáculos infantis como A lenda do dragão encantado e Marama, exposição dos 38 anos do grupo mineiro Giramundo e atelier ao vivo de mestres mamulengueiros, entre outras atrações.“O festival é um espaço de estímulo para a inteligência. Seja para fazer rir, para fazer chorar, para divertir ou para refletir”, afirma Lina Rosa, curadora e idealizadora do projeto.O SESI Bonecos traz um sortimento de nacionalidades, abordagens e estilos nunca visto, com encenações para crianças e adultos O público terá a oportunidade de assistir apresentações de bonecos que cabem na palma da mão a desfiles de bonecos gigantes. O mestre de cerimônias oficial do projeto SESI Bonecos é uma atração a parte e cai rapidamente nas graças do público de todas as idades. O boneco é uma peça construída com a técnica “luva com varas”. A mão do artista é introduzida por dentro, para manipular a cabeça e o corpo. Varetas de aço são usadas nas extremidades das mãos e movimentam os braços. Seu temperamento é divertido e eloqüente. Ele é uma espécie de garoto-propaganda do festival.Outras capitais - O SESI Bonecos 2008 teve a pré-estréia em Recife, no dia 03/11. Cinco companhias internacionais se apresentaram dentro do SESI Bonecos do Mundo. Em sua 5ª edição, o projeto já foi visto por mais de 1 milhão de pessoas, incluindo públicos das regiões Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste.Neste ano, com várias novidades, o SESI Bonecos vai percorrer 3.284 quilômetros, levando em sua bagagem 60 toneladas de equipamentos. Depois de Recife e Salvador, a trupe segue pela estrada visitando mais quatro capitais nordestinas: Aracaju (22 e 23/11), Maceió (29 e 30/11), João Pessoa (6 e 7/12) e Fortaleza (13 e 14/12). "
Este texto está no Site do FIEB, Federação das Indústrias do Estado da Bahía
Imagens dos espetáculos podem ser vistos aquí no UOL Viagem
Aquí o site do Sesi Bonecos.
5.11.08
Tropeço
Clip do espetáculo de animação "Tropeço" da Tato Criação Cênica de Dico Ferreira e Katiane Negrão.
www.tatocriacaocenica.com.br
1.11.08
Parte de mim (grande parte, toda essa parte que deseja o pertencimento) se contenta com o que se apresenta, no mínimo, coerente. A coerência é o lugar que a muitos parece o refúgio único da eficiência, ela nos acalenta com a possibilidade de que tudo tem um propósito, de que tudo está organizado por uma mente paternal, conciliadora (resquício que o pós-modernismo ainda não conseguiu sacudir pra longe do seu pretenso lombo selvagem). A coerência nos oferece a sensação de missão cumprida, muito necessária ao senso comum, com o qual o artista tenta estabelecer alguma comunicação.
Gostaria de seguir sempre o princípio de que uma obra só pode ser confrontada com suas próprias escolhas, mas às vezes, quando a coerência me escapa, comparo obras cuja similaridade parece, e só a mim parece, razoável; tentando isentar-me o mais possível de fazer qualquer juízo de valor, de qualquer crítica reducionista que me afaste das investigações a que me proponho.
O teatro de animação possui a vantagem de conquistar a identificação do público muito rápida e eficientemente; fator de grande responsabilidade por parte de quem decide fazer teatro de animação, e principalmente de quem se utiliza de um boneco ou objeto já atrativo pela plástica, seja escultórica ou gestual; algo interessante para os que se aproximam do teatro e buscam compreender seu efeito, função e necessidade no espírito humano. Devo deixar claro que, por ‘função e necessidade’ não quero dizer funcionalidade que, muito acentuada no teatro social ou engajado, parece desnecessária à arte.
Assisti muito recentemente ao infanto-juvenil de Juliana Notari intitulado “Sonhos de um Pingüim de Geladeira”, no Sesc Ipiranga, experiência de sua pesquisa sobre solos e que propõe uma animação menos acurada em função dos conteúdos que ela tenciona tratar e da óbvia dificuldade da animação de diversos bonecos e objetos por uma só atriz (a própria Juliana acompanhada do músico Augusto Moralez que, juntos, formam a Companhia DuoAnfíbios). Trata-se de um teatro ‘com bonecos’ (e objetos) e não de um teatro ‘de bonecos’ (uma classificação provisória porque em vários momentos a atriz experimenta a neutralidade em função do boneco).
Outra companhia que propõe algo similar é a InBust que assume ser ‘teatro com bonecos’ centrando o interesse no carisma dos atores. É possível notar que em ambas as companhias existe um esmero na confecção dos bonecos e aqui seria interessante investigar a necessidade de tal.
Independentemente dos exemplos destas duas companhias (que têm uma investigação ampla), mas que em alguns momentos remetem ao que aponto, o trabalho de confecção do boneco parece anteceder ou se dissociar da proposta de encenação, é possível constata-lo quando detalhes de vestuário ou ‘maquiagem’ do boneco não são perceptíveis em cena ou quando mecanismos e articulações propostas pelo bonequeiro são pouco utilizados. Existem casos em que isso não importa e, ainda assim, a encenação se mostra eficiente, ou seja, crível. Lembro agora de um esquete da Usina Contemporânea de Teatro que em 1992, na Fundação Curro-Velho, mostrava, sobre balcão, um boneco de 15 cm, animado por três pessoas que, com varetas, ofereciam o distanciamento necessário para apresentá-lo à platéia numerosa. A personagem era uma bruxa vestida de negro, mas a encenação mostrava Madonna dançando sob o som de “Like a virgin”. Quem não tivesse a oportunidade de ver o boneco de perto acreditaria que foi construído para este fim; não parece ter sido o caso (claro, o simulacro de uma velha em gestos voluptuosos próprios de uma virgem em ebulição constitui uma apelo tragicômico considerável). Longe de viajar em significações e metáforas entre encenação e o boneco escolhido, os atores, com precisão de animação, tornaram o evento crível quebrando, com propriedade, paradigmas do teatro de animação. Sim, porque constitui paradigma o fato de um boneco ser confeccionado especificamente para determinada encenação. Em oposição lembro de trabalhos com lindos bonecos que faziam pouco além de mostrar a habilidade, estética ou mecânica, do construtor. Acredito constituir má fé não oferecer um conteúdo equivalente seja em qualidade de animação, seja em significado. Assim que o boneco seja construído durante ou após o processo de definição da encenação é possível notar o mesmo esmero demonstrando uma dissociação entre estes dois eventos: construção do boneco e encenação. Aqui é possível perceber a confiança, às vezes excessiva, no poder de identificação que o boneco exerce sobre a platéia. Volta aquela premissa de que em arte, como na natureza, menos é mais. Este mínimo de animação e caracterização necessárias para que um boneco ou objeto continue exercendo seu poder é algo também interessante de ser investigado.
Um evento na encenação de “Sonhos de um pingüim de geladeira” muito me chamou a atenção pela graça com que foi pensado. A cozinheira equilibrando sua bandeja de ovos: a atriz sai de traz da geladeira do título simulando o mar, ela dá o texto do capitão: “Remem ovos!” Como se não bastasse o trato eficientemente cômico do trágico da fragilidade humana um dos ovos cai (não sei se foi ‘marca’ ou acaso) e a atriz diz para a platéia, ainda na ‘voz’ do capitão: “Perdemos um”. Conjunto harmonioso e econômico de elementos instigando vários níveis de leitura. Achei, no entanto, desnecessária a caracterização representando rostos humanos nos ovos (o que se repete em outros elementos) fato estranho à proposta de despojamento da encenação. Aí vem a questão dos atributos. O que é um rosto? E nesse momento é inevitável lembrar da encenação de “Desconcerto” de Diana Raznovich dirigida por Juliana Ferrari quando a personagem Irene Delaporta questiona a platéia segurando, após se despir, o vestido estendido diante de si mesma com ambas as mãos: “O que é uma mulher?” Depois solta uma ponta do vestido e, segurando-o com apenas uma das mãos pergunta: “O que é uma mulher nua?!”. Percebo aqui uma questão: Qual atributo é necessário para dizer plasticamente: mulher!? E lá: Rosto!? Ou melhor, (de volta aos ovos) Humano!? As possibilidades de representação do humano são tão numerosas quanto são os humanos, essa diversidade é encantadora.
Assista o vídeo de "Sonhos de um Pinguim de Geladeira" no Youtube clicando aquí.
27.10.08
Homero Homem
Nem lembro bem se em 87 ou 88, por acaso, me cai nas mãos “O Agrimensor da Aurora” de Homero Homem de Siqueira Cavalcante, poeta do Modernismo brasileiro. A canção na poesia dele me interessava. Lia aquele mesmo livro muitas vezes, saltava as páginas, dizia alto suas palavras. Sem perceber, de forma quase indolor, a poesia dele se tornou o meu crivo de tudo. Perdi o livro, mas aí já podia perdê-lo. Escarafunchando um sebo em São Paulo encontrei agora um outro, “O Livro de Zaira Kemper e Poesia reunida”, anterior, de 1972, com algumas das conhecidas poesias. Percebi diferenças e claro, para a edição de “O Agrimensor da Aurora” ele deve ter feito revisões.
Neste alguns contemporâneos lhe fazem vênia mais que merecida a guisa de introdução, gostei dessa de Drummond:
“Vai chovendo lá fora. E me comove um livro sangue:
O país do não chove.
O poeta Homero Homem quis dizer
Em verso claro _ e disse _ o velho doer
De penas nordestinas tão doídas
Que de lembradas tornam-se esquecidas
Mas de novo precisam ser lembradas
E, por mão da poesia, resgatadas”.
(Correio da Manhã, “Imagens Soltas” / Na Semana)
Agora estas dele:
O Tratador de baleias
Quando voltar à praia do Tibau
Irei à estalagem dessas grandes
Mães solteiras no ciclo preguiçoso
Do esguicho, do mergulho e da mamada.
Viração matinal minha colméia
De abelhas digitais vai almojar
Nas tetas da placenta o leite grosso,
Desnata-lo de âmbar e sacarina.
Finda a ordenha meu banho de alumínio
No verão de tarrafas, albacoras
E lagostins e saunas de piscina
Bronzeando as nuanças dessa faina
De flutuar baleias encalhadas
Pelas auras do mar, amplas meninas
De mêntruo azul acima do panejo
Das gaivotas e morses repentinos
Quando voltar à praia do Tibau
Arrendo um estaleiro à beira mar
Para docar baleias arpoadas.
Meus dedos, pinças leves mechas claras
Mergulhados no iodo das manhãs
Gessarão os rombilhos escarlates
Na carne predileta desses alvos
Dos armadores e canhões de pôpa.
Quando voltar à praia do Tibau
Demarco um cemitério ao pé do mar,
Arpoadouro de baleias mortas.
Catafalco de incenso e ladainha
Iluminado a tiro de festim,
Balizo oito golfinhos laterais
Para guiar amor e seu amor
Imóvel entre cruzes de sargaço.
Quando voltar à praia do Tibau
Promovo uma semana do Cetáceo
Para acudir às crias desmamadas.
Ponte aérea de lã e pelerina,
Empório de mingau e leite em pó,
Despacho meu comboio de gaivotas
À laguna do atol onde encalhou
_ perdida sua teta predileta_
O filhote que muge e se congela.
Quando voltar à praia do Tibau
Construo um farolete de holofotes
Para guiar baleias arpoadas.
(No “O Agrimensor da Aurora”, salvo engano, estes últimos versos estariam assim: “Quando voltar à praia do Tibau/ com o espermacete das baleias mortas/ construo um holofote de mil velas/ para guiar baleias arpoadas”)
Inscrição
Hera recubra a praia, êsses caminhos
De cravo trevo flores sem agravo
Que brotam em tua e em minha boca.
Casta raiz da noite seu cipreste
Soterre em vento claro de anistia
O que em nós foram passos passos passos.
O mar e suas torres lave, leve
Dessa rua deserta transversal
O que em nós foi eterno e foi tão breve.
Rumor de escola, riso na calçada
Refloreste em manhãs meu condado
De cravo trevo flores sem mais travo.
A Crônica da rua, suas lápides
De nós possa guardar a azul rotina:
CHEGARAM DE MÃOS DADAS E SE FORAM.
Dedicatória
Talvez por precocidade
De aurora no entardecer,
Certa lição do poente,
Menino vim a saber.
Nela Bandeira foi mestre
E Carlos, archonte-rei
Será igualmente grande
Quando chegar sua vez.
Juvenilmente, Drummond
Aprendo em você, feliz
A multilição diária
De ser jovem por um triz.
E pra fechar, reabrindo, o pedido cheio de esperança inútil que se faz a cada poema escrito.
“Te darei o que quiseres / pedrinha, raspa de unha / contanto que não repiques / noite alta esse malino / regougo de galo prêto / contanto que cessatil / dissolvas no copo d’água / o travesseiro e essa dor”.
Homem, Homero, O Livro de Zaira Kemper e Poesia reunida de Homero Homem, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1972
17.9.08
Acordos
Isto surgiu porque uma atividade proposta estimulava os alunos a se apropriarem e animarem um objeto sem características de boneco, um objeto cotidiano. Um aluno escolhe um par de sapatos e o anima repetindo sua função original e propondo que a platéia imagine o ser que calça os sapatos. Ele manteve as características funcionais do objeto, uma reação imediata e natural de quem começasse a investigar um objeto. Aqui a intenção, a simulação de vida, o centro pensante, não estava no objeto, mas no ser que a platéia deveria imaginar.
Em seguida, agora não lembro se foi exercitado ou apenas discutido, outro aluno propôs que os sapatos simulassem intenções diferentes entre si. Uma discussão entre um sapato e o seu par. Ou seja, cada sapato era um boneco.
Não lembro de já ter assistido nenhuma encenação com uma proposta de teatro de objetos que não fosse, em ultima instância, teatro de bonecos. Devo ter assistido pouco. De qualquer forma parece ser uma proposta difícil de ser levada a cabo. O questionamento que fiz surgiu logo depois do segundo exercício com o par de sapatos e lembro da conclusão de Ana Maria: “É, o objeto embonecou!”.
Esta expressão é típica de Ana Maria Amaral que tem, longe de seus preciosos livros que li com a sofreguidão de quem busca ar para respirar, uma forma coloquial de pensar teatro de animação.
Perece que os atores-animadores devêssemos nos preocupar menos com as conceitualizações porque o que é regra em uma encenação deixa imediatamente de vigir em outra. Uma coisa é certa: a investigação prática é necessária. O pacto do ator-animador com seu objeto é diferente daquele estabelecido entre a platéia e a encenação. Um dos entraves de um iniciante está na dificuldade de sair da posição de ‘estar assistindo’. Exercitar diferentes técnicas de animação tentando perceber o valor de suas regras é a única forma de quebrá-las com propriedade e estabelecer comunicação com uma platéia que ou é exigente demais não se deixando levar pelas propostas sejam elas tradicionais (muitas vezes consideradas anacrônicas e chatas) ou experimentais (estas às vezes tidas como “autorais” demais para merecerem atenção) ou está apática por falta de referências, de cultura teatral. Os que se arvoram à arte da animação também sofrem com esta falta de referências e é isso (além das raízes populares do teatro de animação) que fazem dela um processo autodidata.
A mesma dificuldade que Ana Maria Amaral tinha em levar-nos à prática em 1997 repetiu-se no curso de animação que o grupo A Roda ministrou no TCA em janeiro deste ano. Alunos querendo “a fórmula da animação” para avançarem com mais propriedade ao boneco racionalizando os exercícios de introdução. Uma atitude natural diante da possibilidade de sujeição que o boneco parece impor a quem se atreve a animá-lo (o que, no caso específico da experiência da Roda, se vê potencializado pela proposta escultórica de Olga Gomes com seus bonecos e objetos elevados em si à condição de obras de arte). Acredito que esta sujeição só pode ser superada se exercitada. Uma atitude humilde diante do objeto o faz reverter suas especificidades em nosso favor fazendo-o revelar significados que na verdade são nossos e não dele
(Por animismo em algumas culturas a função sagrada, de preciosidade dada ao objeto faz com que ele seja percebido como ‘ser’. Um objeto que participa ativamente na vida desencadeando sentimentos ou sensações em quem o observa ou o conduz recebe, momentânea ou permanentemente, a condição de causador consciente. Como quando xingamos a banqueta na qual tropeçamos acreditando podermos ofende-la). Se existe uma fórmula para a animação ela se esconde no fim de partida do jogo com o simulacro.
O ator-animador assume um acordo com seu objeto. O objeto oferece condições para que o animador imprima o gesto desencadeando a carga dos significados que o animador deseja expressar O animador está sujeito às especificidades do objeto: a personagem e as possibilidades de suas articulações ali fixadas pelo construtor. Este acordo, logo, implica a compreensão, por parte do animador, dos significados do simulacro propostos pelo construtor e que, obviamente pode ir além das intenções desse construtor se, certo de seus conteúdos, este animador (que, nesse caso, é um animador-encenador) alcança seu objetivo de tornar crível para uma platéia o universo ali encenado.
Dar vida ao inanimado é fazer uma platéia concordar que as intenções partem do objeto. Outra forma de encenação poderia propor que o animador saia de sua posição de elemento neutro e participe da cena ainda conduzindo a platéia a acreditar que as intenções partem do objeto. Ultimamente algumas encenações decidem utilizar o objeto como referência e propõem claramente à platéia que este não tem em si nenhuma intenção. O animador apresenta seu objeto como uma alegoria e se assume como ator. Por conseguinte é retirado ao objeto qualidade de animação. A pergunta que me vem é: Esta encenação pode ser considerada teatro de animação? É animação uma encenação que desiste de propor que a intenção parte do objeto? Se sim que tipo de acordo seria esse entre ator-animador e objeto? E, em última instância: Por que o objeto está ali? Seria este objeto o chocalho da pajelança propondo um retorno às origens da animação?
Sempre acreditei que a qualidade do animador consiste em o quão rapidamente ele angaria o acordo com a platéia de que a intenção parte do seu objeto. Obviamente me disponho a reavaliar este e todos os outros conceitos. Duvidar é preciso.
Mostrou-se um desafio constante e questionador a encenação que propomos no grupo A Roda de ‘Amor e Loucura’ onde os atores-animadores mostram seu rosto e se utilizam ora de alegorias, ora de objetos animados para contar uma história em si alegórica amontoando metáforas sobre metáforas e ainda poemas recitados em “off” que buscamos não ilustrar com as imagens oferecidas pelos objetos, cenário ou elementos de cena. Música, poesia, animação, tudo ocorre como se cada um destes elementos da encenação quisesse contar a história independentemente, ao mesmo tempo e sem reiterar-se. Muitas vezes a platéia parece saltar de um estímulo para outro buscando a melhor forma de compreender o enredo. Houve quem fechasse os olhos para apenas desfrutar dos poemas e houve quem decidiu não prestar atenção a eles estimulando-se visualmente. Um acordo acontece pela participação ativa do todas as partes envolvidas.
2.9.08
FILTE
Susanita Freire recomenda!
"Amigos bonequeiros, titeriteiros e animadores da Bahia:
Estará se apresentando no FILTE 2008, " Gente de Teatro y Titeres" do México.
Cecilia Andrés y Rogerio Luna são meus amigos e tem um trabalho muito poético ANANKÉ
que será apresentado no dia 12 de setembro
Cecilia oferecerá uma oficina nos dias 8, 9 e 10 "A poética no teatro de titeres"
Seria muito bom prestigiar Ananké !!!
Entre no site e veja a grade de espetáculos do festival:
www.ocoteatro.com.br
abraço para todos e tod@s
Susanita Freire desde Rio de Janeiro"
Todos os espetáculos serão apresentados no Teatro Vila Velha e o valor dos ingresso é R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia). Na abertura do Festival (05/09), com a apresentação do grupo Teatro Buendia, de Cuba, a apresentação será gratuita, com senhas distribuídas por ordem de chegada na bilheteria do teatro.
20.8.08
18.8.08
Toy Theatre Teatro de Papel



Coleção Lucía Contreras Flores de teatro de papel
Great Small Works
Pollock's Toy Museum
Hugo’s Toy Theatre Website
O Combate, Companhia A Roda de Teatro de Bonecos, 2000, Bahía
Aquí um texto interessante sobre o Teatro de papel
História do Teatro de Papel
Dorothea Reichelt*
“Seja qual for o local em que nos encontremos hoje em dia, estamos rodeados de papel. A utilização quotidiana do papel – seja em forma de jornal, de cartaz, papel para impressora, papel higiénico, bilhete de cinema, bilhete de teatro – apagou há muito tempo a magia que o papel outrora exerceu sobre as pessoas em virtude de todas as possibilidades de utilização que permitia.
Apesar de hoje ser utilizado como objecto quotidiano e descartável, e de ter assim perdido uma parte do seu significado, convinha, no entanto, não esquecer que o papel teve um lugar de primeira ordem no desenvolvimento da nossa civilização. Um pequeno elemento deste mosaico na história da cultura ao longo dos séculos é o Teatro de Papel. Em finais do séc. XIX podia ser encontrado em quase todas as famílias.
O Teatro de Papel
O Teatro de Papel é um teatro em miniatura. Toma como referência o verdadeiro teatro e tenta copiá-lo, não só naquilo que se refere à técnica cénica e ao ambiente mas também no que diz respeito ao repertório. Os princípios do Teatro de Papel remontam ao fim do séc. XVIII. No primeiro número da sua publicação semanal O Amigo das Crianças, em 1775, Christian Felix Weisse evoca “os aspectos agradáveis e divertidos de um pequeno teatro para crianças. Fazem-se representações com este pequeno brinquedo nos dias de festa, ou seja, em aniversários e ocasiões semelhantes”. Peças apropriadas para os pequenos teatros, a maior parte das vezes de conteúdo moralizador, surgiram nessa publicação. No fim do séc. XVIII o editor J.M. Weiss publicou nos seus folhetos, em Augsburg, algumas destas pequenas peças com personagens. As figurinhas eram feitas para recortar e brincar. São um elemento importante que faz a ligação entre as marionetas de mão ou de fio anteriores e o Teatro de Papel, mais recente. É evidente que o Teatro de Papel se distingue em muitos aspectos do teatro de bonecos, de personagens com volume capazes de movimento. Na maneira de actuar e na adaptação artística, o teatro de bonecos segue leis próprias, enquanto que o Teatro de Papel se mantém muito próximo do teatro real e constitui, portanto, um verdadeiro teatro em miniatura. O Teatro de Papel, no sentido restrito do termo, deve ser interpretado como um fruto típico da época romântica.
Teve na sua origem a grande paixão pelo teatro sentida pela alta burguesia no séc. XIX, e servia para reproduzir no seio das famílias as peças de teatro célebres e que tinham tido sucesso nos grandes palcos, e também para as tornar acessíveis e visíveis às crianças. É constituído por decorações como o fundo de cena e os bastidores laterais, uma cortina e um proscénio, e figurinhas em papel. Estes elementos eram apresentados sobre grandes folhetos impressos, colados sobre cartão, recortados e montados para com eles se fazer um palco sobre uma armadura de madeira. As figurinhas de papel, de 9 a 13 centímetros, reproduziam inicialmente os actores da época, quer nos figurinos quer na fisionomia. Eram fixadas em pequenos pedaços de madeira e deslocavam-se sobre o palco com a ajuda de um fio, quer por cima quer pelos lados.
O estilo do Teatro de Papel corresponde à disposição dos bastidores na época barroca ou então às cenas em trompe-l’oeil que se podem ver ainda em alguns velhos teatros como Drottningholm ou Böhmisch-Krumau. A instalação técnica da maquinaria de cena era muitas vezes reproduzida nos teatros de papel.
As condições técnicas prévias para que o Teatro de Papel se pudesse difundir
Se o Teatro de Papel se conseguiu assim desenvolver e difundir tão rapidamente no séc. XIX foi graças a duas invenções que contribuíram de forma decisiva para o desenvolvimento da cultura moderna: por um lado, a evolução técnica do fabrico do papel com o início da era industrial e, por outro lado, o facto de a produção em massa se ter tornado possível com a invenção da litografia, em substituição da gravura em cobre que apenas permitia um número restrito de impressões. [...]
Os precursores do Teatro de Papel
As estruturas que estão na origem do Teatro de Papel podem ser encontradas nos presépios de papel, nos desdobráveis e nas pequenas caixas panorâmicas de cartão, especialidade de Augsbourg. O ponto comum a todos eles é o facto de serem fabricados em papel, a partir de uma vontade individual, de se referirem a um tema encenado de uma forma próxima da cena real, num espaço tridimensional, e de poderem ser modificados.
O presépio de papel tem as suas raízes essencialmente na Áustria e na Baviera. No séc. XVIII e, por maioria de razão, no séc. XIX encontrava-se já no seio de numerosas famílias.
Rapidamente se encontraram vantagens económicas neste presépio: figurinhas planas recortadas em papel e mantidas em pé com a ajuda de uma pequena haste de madeira colocada por trás, por oposição às personagens com volume colocadas em primeiro plano. Na Boémia e na Morávia, os “pintores de bonecos” fabricavam as figurinhas para os presépios e outras cenas. Nesta mesma época, as pequenas caixas panorâmicas adquiriram também a sua celebridade, porque permitiam às pessoas satisfazer os seus novos hábitos de ver, o seu desejo de perspectiva. “A expansão destas pequenas caixas está confirmada desde o princípio do séc. XVIII. Inicialmente expostas como atracções nas feiras, foram em seguida fabricadas para uso particular, primeiro em Augsbourg e depois em Paris. Mais uma vez é o fabrico de Martin Engelbrecht (em Augsbourg, 1684-1756), que assume uma grande importância.
As suas caixas, com pequenas cenas graciosas, estão de tal forma próximas do teatro em miniatura que não podemos ignorar o seu carácter exemplar. Essas caixas em miniatura, amplamente difundidas e fabricadas a partir de gravuras coloridas, imitavam os bastidores dos palcos do teatro barroco, com seis profundidades de campo ou mais, e um fundo de cena. Os grupos de figurinhas fixas evocavam temas religiosos ou mitológicos, cenas de caça, festas de corte ou campestres, passeios de trenó e mesmo cenas de ópera ou de comédia. Destinavam-se ao divertimento de um público aristocrata”. (Sigrid Metken, Geschnittenes Papier: Eine Geschichte des Ausschneidens in Europa von 1500 bis heute, Hamburgo, 1978, pág. 253.)
O teatro e a sociedade
A época que se seguiu à Revolução Francesa teve como efeito, também no império alemão, reformas que, no entanto, apenas conseguiram penetrar em raros domínios, essencialmente culturais: o teatro e a literatura. A burguesia continuava largamente excluída do poder político. O desaparecimento progressivo da divisão política em pequenos espaços através da criação de um Estado nacional não conseguia concretizar-se, e as esperanças que os círculos burgueses e democráticos tinham depositado nas guerras de libertação foram aniquiladas pelas forças da Restauração depois do Congresso de Viena, em 1815.
A burguesia resignou-se e procurou outros ideais, na glorificação da vida privada: a família, a valorização do interior, o conforto e a cordialidade. O modo de vida do “Biedermeier” tornou-se a expressão típica do estado de espírito da época. A tendência para a retirada do “mundo exterior” foi reforçada devido às modificações económicas produzidas pelo início da industrialização. O domínio profissional e a vida familiar, dos quais a casa tinha sido até àquele momento a sede, ficaram separados e desenvolveram-se a partir desse momento em espaços diferentes: a vida privada em casa e a vida profissional na empresa. E daí decorreram modificações nas relações entre os membros da família. De comunidade de produção, a família transformou-se em comunidade de educação, de formação e de consumo. Era essencialmente a mulher quem dirigia a casa, enquanto o homem assumia, no exterior da casa, as suas funções profissionais. Atribui-se também um novo valor à infância e à juventude, que pela primeira vez foram reconhecidas como uma fase no desenvolvimento da vida, com as suas leis e as suas necessidades. Neste contexto, os domínios de aprendizagem, centrados essencialmente em torno da formação do “bel esprit”, assumiram uma importância capital e serviram como meio para a realização de cada um e para o reforço da consciência da classe burguesa.
Como o teatro constituía um dos raros domínios acessíveis à burguesia no fim do séc. XVIII – como testemunha a criação de teatros nacionais: Mannheim (1778), Berlim (1786), Munique (1811-1818), Dresden (1838-1841) – assumiu, portanto, uma grande importância como estrutura que permitia o acesso à cultura. O burguês sequioso de cultura encontrava no teatro uma compensação para as actividades políticas que lhe estavam vedadas. A descrição de Heinrich Heine caracteriza este público de teatro alemão com um grande rigor: “Na plateia alemã estão sentados cidadãos pacíficos, funcionários, que têm realmente a intenção de aí digerir tranquilamente a sua choucroute, e lá em cima, nos camarotes, encontramos as raparigas de olhos azuis da nobreza, belas almas loiras que trouxeram para o teatro o seu tricot ou outro trabalho qualquer, e que querem sonhar docemente sem no entanto deixar cair nenhuma malha. E todos os espectadores possuem esta virtude alemã que nos é dada à nascença ou, pelo menos, pela nossa educação, que é a paciência”. (Heinrich Heine, Obras Completas, vol. 3, Darmstadt, 1971, pág. 300.)
O entusiasmo pelo teatro nesta época está na origem de objectos de culto próprios. Os actores, que noutros tempos eram um povo sem domicílio, sem reconhecimento social e sem nenhum direito, foram adorados e celebrados como artistas, os seus figurinos suscitavam a admiração, as brochuras reproduziam-nos e difundiam-nos largamente no seio da população. As maquetas de palco dos intendentes dos teatros berlinenses, August Wilhelm Iffland e o Conde Karl Moritz von Brühl, serviram de modelo para estas brochuras de figurinos de teatro, que foram impressas em Nuremberga a partir de 1807 por Johann Raab, Friedrich Campe e Georg Nikolaus Renner. Já não faltava mais do que um pequeno salto para passar da contemplação pura e simples destes folhetos à construção de um Teatro de Papel para poder brincar em casa. Para as necessárias decorações de teatro (fundo de cena, bastidores) utilizaram-se inicialmente as maquetas de palco de Karl Friedrich Schinkel e Karl Wilhelm Gropius em Berlim.
O repertório
As peças que foram representadas nesses teatros de papel correspondiam em geral às encenações dos grandes palcos europeus. O teatro clássico assume aqui um lugar preponderante. De Johann Wolfgang von Goethe representaramse essencialmente Fausto e Götz von Berlichingen. As peças de Friedrich von Schiller foram também muito apreciadas, sobretudo Os Salteadores, Guilherme Tell ou Wallenstein. Mas a peça Kätchen von Heilbronn, de Kleist, um grande sucesso público, abriu igualmente um caminho no repertório do Teatro de Papel. A ópera também foi representada com vários títulos: as óperas de Wolfgang Amadeus Mozart, como A Flauta Mágica, As Bodas de Fígaro e Don Giovanni. Der Freischütz, de Carl Maria von Weber, foi sem dúvida a mais representada de todas as óperas para Teatro de Papel, porque todos os editores de ilustrações mandaram imprimir as figurinhas correspondentes. Outras óperas conheceram igualmente um grande sucesso: La Fille du régiment, de Gaetano Donizetti, Zar und Zimmermann, Der Waffenschmied e Undine, de Albert Lortzing, e Martha, de Friedrich von Flotow, por exemplo. Tannhäuser e O Holandês Voador, de Richard Wagner, tiveram igualmente os seus admiradores. O teatro de boulevard – a farsa, a peça popular e a opereta – está representado por pequenas peças de Johann Nestroy e Ferdinand Raimund, Lumpazivagabundus do primeiro, e Der Alpenkönig und der Menschenfeind do segundo. Im Weissen Rössl, peça ligeira de Hans Müller, ou as operetas Flotte Burschen, de Franz Von Suppé, e Der Zigeunerbaron, de Johann Strauss, pertenciam igualmente ao programa dos palcos em miniatura. De teatro em miniatura, o Teatro de Papel transformou-se, no fim do séc. XIX, em teatro para crianças, e a encenação de contos, lendas e peças de Natal surgiu no lugar do repertório de teatro habitual. É certo que, desde o princípio, se aceitaram as crianças como espectadores, mas no início da época do Teatro de Papel não havia peças para crianças propriamente ditas. A partir da segunda metade do século, reconheceram-se, paralelamente ao papel educativo do teatro, os aspectos criativos que ele podia também suscitar nas crianças, e foi só nessa altura que o Teatro de Papel se tornou um brinquedo dedicado às crianças. As representações tradicionais e os conteúdos culturais podiam continuar a ser transmitidos. Em 1878, o editor J.F. Schreiber de Esslingen lançou no mercado o primeiro verdadeiro teatro para crianças, com o qual elas poderiam criar as suas próprias representações. Com este objectivo, modificaram-se os textos originais das peças e reescreveram-se as mesmas numa versão reduzida, simplificada e purificada segundo a opinião da época, tanto do ponto de vista moral como linguístico. A lista dos títulos dos 69 libretos comercializados para o teatro de Schreiber atesta bem esta evolução.
Os editores do Teatro de Papel
Em Inglaterra
O primeiro editor que realmente começou a produzir folhetos para o Teatro de Papel foi o gráfico William West, em Londres, em 1881. Estes teatros eram efectivamente destinados a que se pudesse brincar com eles. Ao longo dos anos vieram juntar-se a ele os editores Skelt, Webb, Redington e Pollock, ou melhor, assumiram a sucessão uns dos outros. O sucesso surpreendente destes primeiros folhetos desencadeou outras edições, que se inspiraram em encenações populares dos palcos londrinos de Covent Garden e Drury Lane. Com este objectivo, alguns desenhadores faziam esboços de decorações e figurinos, por altura dos ensaios gerais, e no momento das representações eram postas à venda as maquetas dos palcos sobre os quais as pessoas podiam voltar a representar a peça.
A designação “Toy Theatre” (teatro-brinquedo) ou “Juvenile Drame” (teatro para crianças) mostra qual o tipo de público a quem estas brochuras eram destinadas, ou seja, a juventude. 500 peças no total, 150 só de William West, foram objecto de comercialização. Ao lado dos dramas de Shakespeare e das adaptações dos romances de Walter Scott, a história de salteadores de Isaac Pocock, criada em 1813 em Covent Garden, The Miller and His Men, atingiu a tiragem mais elevada, com nada menos do que 40 edições diferentes. Embora o “Toy Theatre” fosse destinado às crianças e aos jovens, nunca – ao contrário da Alemanha – se publicou uma peça especial para crianças. Robert Louis Stevenson descreve, no capítulo “A Penny Plain and Twopence Coloured” do livro Memories and Portraits, a impaciência tingida de alegria que sentia de cada vez que comprava novas brochuras. Um folheto a preto e branco custava um penny, a cores custava o dobro. Ao contrário da Alemanha, onde o Teatro de Papel funcionava essencialmente como objecto de distracção e de jogo para a camada mais elevada da burguesia, em Inglaterra visava antes de mais os jovens do meio operário, artesão e pequeno-burguês. Estes jovens não tinham dinheiro para ir ao teatro e apenas podiam adquirir pequenas brochuras baratas. Até 1860 foram constantemente acrescentadas ao repertório novas peças, após o que nenhuma outra foi produzida, apesar de se continuarem a reeditar as antigas. Ainda hoje se pode comprar em Inglaterra um “Original Pollock Toy Theatre”. [...]
Como se brincava com o Teatro de Papel em família?
Depois de se terem comprado os tão desejados folhetos de teatro, ou depois de as crianças os terem recebido de presente, era muitas vezes toda a família que se sentava à mesa para repartir o trabalho de recortar, colar e montar. Na montagem particularmente delicada do esqueleto do teatro com o proscénio, era sobretudo o pai quem ajudava. Não era raro que este trabalho fosse também confiado a um marceneiro. Os ensaios, numa fase posterior, exigiam a colaboração activa de todos os membros da família para manipular as personagens, ler o texto ou fazer o acompanhamento ao piano.
A maior parte das vezes era para as festas, sobretudo o Natal, que se fixava a data da estreia. Habitualmente, o teatro tinha o seu lugar na sala de estar. Os espectadores ficavam sentados, cheios de impaciência, em frente ao proscénio e o pessoal doméstico tinha também ocasionalmente autorização para assistir ao espectáculo. Regra geral, os rapazes e o pai assumiam a direcção do teatro, a gestão dos acessórios, a iluminação do palco e todas as manipulações técnicas, ou seja, tudo o que era necessário para a vida do teatro, enquanto que as raparigas tinham preferencialmente as casinhas de bonecas para se iniciarem no papel de futura esposa e mãe. A dramaturgia dos acontecimentos no palco era transmitida mais pelos efeitos técnicos, como raios e trovões, do que pelo movimento das figurinhas de papel que, de facto, não podiam fazer muito mais do que agitar-se ligeiramente ou balançar de um lado para o outro no momento em que falavam. Podemos dar-nos conta, ao ler as memórias de juventude de homens célebres desta época, até que ponto estes momentos de teatro marcaram a alma e o carácter das crianças de então. Ludwig Tieck, Wilhelm von Kügelgen, Felix Dahn ou Thomas Mann contam essas memórias, que muitas vezes deixaram marcas para a vida inteira.
Na novela Der Bajazzo, de Thomas Mann, o leitor fica a conhecer o fervor e o entusiasmo com que o escritor brincava com o seu teatro quando era pequeno. Escreveu ele: “Trata-se de um grande teatro de bonecos, muito bem equipado, com o qual eu me encerrava sozinho no meu quarto para montar os mais extraordinários dramas musicais. Puxava as cortinas e pousava um candeeiro ao lado do teatro, porque a iluminação artificial me parecia necessária para tornar a atmosfera mais intensa. Instalava-me mesmo em frente ao palco, era eu o chefe de orquestra, com a mão esquerda pousada sobre uma grande caixa redonda de cartão, que constituía o único instrumento de orquestra visível. Chegavam então os artistas que participavam na obra, tinha-os eu próprio desenhado com pena e tinta, tinhaos recortado e tinha-lhes colado uns pequenos paus de madeira para que se pudessem manter em pé. Eram senhores de casaco e chapéu alto, e senhoras de uma grande beleza. ‘Boa-noite, minhas senhoras e meus senhores, dizia-lhes, estão preparados? Eu já aqui estou porque ainda havia alguns problemas para resolver. Já vai sendo tempo de se dirigirem aos camarins e de se arranjarem’. Dirigíamo-nos então aos camarins, que se encontravam atrás do palco, saíamos de lá rapidamente, completamente transformados em figurinhas de teatro coloridas, e íamos informar-nos sobre a ocupação da sala, observando-a através do buraco recortado na cortina do palco. A sala, com efeito, estava convenientemente cheia; eu dava um pequeno toque de campainha para indicar o início da representação, após o que erguia a batuta e me deleitava por um instante com o profundo silêncio que este gesto suscitava. A um novo gesto da minha batuta, porém, começava a soar o surdo e misterioso rufar do tambor, que anunciava o início da abertura, e que eu executava com a mão esquerda sobre a caixa de cartão. Os trompetes, os clarinetes e as flautas, cuja tonalidade eu sabia muito bem imitar com a boca, soavam então, e a música continuava a tocar até ao momento em que, num crescendo poderoso, a cortina se erguia e o drama começava, na obscuridade de uma floresta profunda ou no esplendor de uma habitação. Esta história tinha-a eu imaginado em pensamento, mas tinha de ser improvisada nos detalhes, e os cantos apaixonados e doces que iam ganhando forma, acompanhados pelos trinados dos clarinetes e pelo ribombo dos tambores, eram versos estranhos e sonoros, cheios de grandes palavras audaciosas que rimavam por vezes mas que, no entanto, só raramente faziam sentido. Mas a ópera continuava, ao mesmo tempo que eu batia no tambor com a mão esquerda, cantava com a boca e, com a mão direita, não só movimentava as figurinhas que representavam mas dirigia também tudo o resto com um cuidado infinito. Isto fazia com que no fim de cada acto ressoassem uns aplausos entusiastas, pelo que era necessário abrir a cortina por várias vezes, e que ocasionalmente fosse necessário que o director da orquestra se voltasse no seu pódio e agradecesse à sala, ao mesmo tempo orgulhoso e lisonjeado. De facto, quando após uma representação tão extenuante eu arrumava o meu teatro com a cabeça a arder, sentia-me invadido por uma lassidão tão feliz como aquela que devia experimentar o verdadeiro artista depois de ter terminado com sucesso uma obra na qual teria posto o melhor de si próprio. Este jogo continuou a ser o meu passatempo favorito até chegar aos treze ou catorze anos”. (Thomas Mann, Récits, vol. 1, Frankfurt, 1975.)
O Teatro de Papel nos nossos dias: um anacronismo?
Hoje em dia o Teatro de Papel perdeu os seus atractivos e caiu no esquecimento enquanto objecto e meio de educação estética. Mas é ainda capaz de proporcionar prazer e divertimento àqueles que sabem avaliar a magia dos objectos propostos para a aprendizagem e aquisição de experiência graças à sua criatividade e imaginação. [...] Hoje em dia, o Teatro de Papel é ainda capaz de sensibilizar para o jogo da representação ou para o teatro em geral; a sua complexidade – que resulta de uma experimentação através do jogo, do facto de pôr simultaneamente em contacto forma, conteúdo, imagem, língua e música – contribui para isso. Porque este teatro pode modificar e tornar mais dinâmicos os nossos hábitos de percepção, o nosso comportamento de telespectador essencialmente sensível ao consumo, à sensação e à selecção, ou seja, incitar-nos a participar pelo pensamento e pelo jogo. É claro que o Teatro de Papel, com a sua ingenuidade tocante, não se propõe assumir o lugar da televisão ou do computador, mas constitui um enriquecimento que estimula a imaginação e a criatividade. Continua palpável, previsível e próximo, e faz participar no jogo, de uma forma activa, tanto o espectador como o actor.”
* “Les Brigands dans la Salle à Manger: Histoire du Théâtre de
Papier”. In http://www.marktbreit.de/museum/les_brigands.htm
Trad. Lina Dupuis. Marktbreit: Museum Malerwinkelhaus, cop. 1999.
Tradução Para o português em:
Teatro de Papel – Convidado de Pedra, PDF
Fórum Papier Theater
Das Papier Theater
15.8.08
12.8.08
Teatro!
Espetáculo vencedor do FESTIVAL DE IPITANGA 2008
Direção: Juliana Ferrari
Assistência de Direção: Monize Moura
Finalização: Amarílio Sales e Alda Maria
Elenco: André Rosa
Preparação Vocal: Janaína Carvalho
Figurino: Tarcísio Almeida e Pedro Costa
Cenário: Fábio Pinheiro
Maquiagem: Pedro Costa
Design Gráfico: Leon Bucaretch


29.7.08
O Senhor das Moscas

"A charneca. Entra Edgar.
EDGAR — Melhor assim: saber que é desprezado do que sê-lo sob capa de lisonja. O mais ínfimo ser, com mais desprezo tratado pela sorte, ainda conserva certa esperança e vive sem temores. Só muda para pior o que é perfeito; o pior volta à alegria. Sê bem-vindo, portanto, ar impalpável que respiro! O infeliz que jogaste tão por baixo a essas tuas rajadas nada deve. Mas quem vem vindo aí? (Entra Gloster, conduzido por um velho.) Como! Meu pai, trazido por um pobre? Ó mundo! mundo! Sem tuas mutações inesperadas que nos levam a odiar-te, nunca a vida chegara até à velhice.
O VELHO — Ó bom senhor, de vosso pai e vosso fui rendeiro por volta de oitenta anos.
GLOSTER — Bem; retira-te, bondoso amigo. Vai-te. Teus consolos bem algum me farão, mas poderiam prejudicar-te.
O VELHO — Não vereis a estrada.
GLOSTER — Não tenho estrada; não preciso de olhos. Tropecei, quando via. Muitas vezes já se tem visto o bem-estar deixar-nos preocupados e a necessidade redundar em proveito. Ó meu querido filho Edgar, alimento da iludida cólera de teu pai, se eu tiver vida para te ver ainda, pelo tato, direi que achei os olhos.
O VELHO — Quem vem lá?
EDGAR (à parte) — Oh deuses! Quem diria: “Não é possível chegar a pior estado!” Nunca estive em piores condições.
O VELHO — É Tom, o louco.
EDGAR (à parte) — E mais ainda poderei descer. Nunca sofremos o pior, enquanto dizer podemos: “Isto é o pior de tudo”.
O VELHO — Para onde vais, amigo?
GLOSTER — É algum pedinte?
O VELHO — Pedinte, a um tempo, e louco.
GLOSTER — Um pouco de razão ainda conserva, sem o que mendigar não poderia. Na noite que passou, da tempestade, vi um sujeito assim, que ao pensamento me trouxe que o homem não é mais que um verme. Lembrei-me de meu filho, muito embora dificilmente, então, amigo dele meu espírito fosse. Depois disso aprendi muito. O que para os garotos são as moscas, nós somos para os deuses: matam-nos por brinquedo.
EDGAR (à parte) — Que é que importa tudo isso? Triste é a profissão que obriga a zombar da desgraça, para incômodo de si próprio e dos outros. (A Gloster.) Salve, mestre!
GLOSTER — É o tal mendigo nu?
O VELHO — Ele, milorde.
GLOSTER — Por favor, então deixa-me. Se acaso quiseres, por amor de mim, buscar-nos daqui a uma milha ou duas, no caminho de Dover, faze-o por antigo afeto, e traze roupa para esta alma nua, a quem vou explicar que me conduza.
O VELHO — Oh senhor! Ele é louco!
GLOSTER — Esse é o castigo do tempo, conduzir ao cego o louco. Faze o que eu disse, ou faze o que quiseres; mas, sobretudo, vai-te.
O VELHO — Vou dar-lhe a minha melhor roupa, venha-me disso seja o que for. (Sai.)
GLOSTER — Eh! Homem nu!
EDGAR — O pobre Tom tem frio. (À parte.) É-me impossível fingir mais tempo.
GLOSTER — Vem aqui, amigo.
EDGAR (à parte) — Mas é preciso. — Abençoados sejam teus doces olhos, pois estão sangrando.
GLOSTER — Conheces o caminho para Dover?
EDGAR — Cancelas e porteiras, caminhos de cavalo e de pé. Espantaram o espírito do pobre Tom. Filho do homem pio. Deus te preserve do demônio impuro. Cinco demônios entraram a um só tempo no pobre Tom: Obidicut, o demônio da luxúria; Obbididance, príncipe do mutismo; Mahu, do roubo; Modo, do homicídio; e Flibbertigibbet, das caretas e contorções, que desde então deixou possessas as criadas e governantes. Salve, portanto, mestre!
GLOSTER — Fica com esta bolsa, ó tu, que as pragas do céu aos golpes todos humilharam. Minha desgraça mais feliz te deixa. Procedei sempre assim, ó céus! Que o homem saturado de bens e de prazeres que deixa subservientes vossas máximas e nada vê porque não sente nada, sinta depressa toda vossa força. A divisão, assim, destrói o excesso, tocando a todo o mundo alguma coisa. Conheces Dover?
EDGAR — Sim, conheço, mestre.
GLOSTER — Lá se encontra um penhasco de cabeça alta e inclinada, que olha com receio para o abismo horroroso. Vamos; leva-me até ao rebordo dele, que hei de a tua miséria remediar com algum objeto de valor que ora trago. Daí em diante dispensarei teus passos.
EDGAR — Dá-me o braço; o pobre Tom vai te servir de guia.
(Saem.)"
Sinopse do filme
28.7.08
L'Oratorio d'Aurélia





22.7.08
Onde és todo
Saudade de cada linha da tua forma.
Onde vecê dobra, onde estica
e do que se desloca se te moves.
Saudade do lugar onde os teus músculos prênseis me aceitam.
Saudade até dos gestos em intenção do que me exclui.
21.7.08
Fausto de Murnau
Olha só esse documentário sobre o Fausto de Murnau ( tem mais seis vídeos na continuação). Todo ser humano angustiado por natureza um dia se depara com Fausto. Os bonequeiros adoram.
'Fausto' de Jan Švankmajer's
Falando em Fausto lembrei deste filme que assistí numa noite em Brasília onde muitos pactos são feitos. Já conhecia outros trabalhos em 'stop motion' dele. Vale a pena procurá-los no youtube.
20.7.08
Das Helmi em Salvador agora que assistí
Encenação interessante foi feita aquí com a direção de Daniel Guerra, recém formado no curso da Ufba, elenco também de formandos e a participação de André Rosa no papel de Fausto, todo em gramelô e jogos corporais fascinantes. Ficou pouco em cartaz por ser uma mostra ligada ao curso mas tenho essas imagens:







'O mito de Fausto, a obra Fausto de Goethe e o seu pensamento
O mito do doutor Fausto é uma das lendas clássicas mais importantes da civilização ocidental. Oto Maria Carpeaux no prefácio da tradução de Antônio Feliciano de Castilho da obra Fausto coloca que Fausto é figura histórica. Viveu na Alemanha no começo do século XVI, numa época das superstições mais estranhas, ganhando a vida exercendo a profissão de astrólogo e necromante. Existem documentos relativos à sua pessoa – recibos de pagamento por ter feito horóscopos e coisas assim – mas não deixou vestígio algum de grande sabedoria ou de qualquer obra notável. Por motivos que ignoramos cresceu em torno de Fausto uma lenda fabulosa de milagres que ele teria realizado, e disso uma criatura humana só é capaz, conforme as convicções da época, com a ajuda do diabo. Por volta de 1520, em plena Renascença, Fausto ainda é um mago admirável. Por volta de 1580, depois da vitória do protestantismo e na época das guerras de religião, Fausto já é transformado em famoso teólogo que, por meio de um pacto, vendeu a alma ao diabo para gozar os prazeres vergonhosos deste mundo e, tendo expirado o prazo, ser levado pelo demônio. As primeiras histórias contando os feitos de Fausto datam do século XVI, quando Johann Spiess escreveu “Faustbuch” (1587) e Cristopher Marlowe escreveu “A história trágica do doutor Fausto” (1592). Desde então a lenda de Fausto tem sido contada várias vezes e traduzida em diversas línguas. Além dos livros, ela tem inspirado filmes e óperas, fazendo de Fausto um dos heróis mais populares dos últimos 400 anos.
No livro Deus e o Diabo no Fausto de Goethe Haroldo de Campos coloca que o poeta alemão Johann Wolfgang Goethe escreveu entre 1770 e 1832 umas das mais sofisticadas versões da história de Fausto. Goethe iniciou o seu trabalho quando tinha 21 anos e só considerou concluído aos 62 anos. Nas versões mais primitivas do mito de Fausto, antes de Goethe, este personagem foi representado como um homem ambicioso que tinha vendido a sua alma para o diabo em troca de certos bens como dinheiro, sexo, fama e glória. No entanto, na obra de Goethe, Fausto possui um ideal mais nobre e altruístico, o sonho de libertar a humanidade do sofrimento e da dor. O personagem de Goethe é animado pelo sonho da modernização e do progresso, reunindo assim o ideal romântico de desenvolvimento com o ideal épico de uma nova ordem e de uma nova sociedade construídas a partir de nada, através do planejamento e da aplicação de uma racionalidade superior. A fim de criar o seu admirável mundo novo, Fausto vende a sua alma em troca do acesso irrestrito ao conhecimento, à racionalidade superior e à sabedoria.
A respeito da obra Fausto de Goethe Oto Maria Carpeaux comenta: “É a obra mais complexa do mundo, mistura incrível de todos os estilos, e isso se explica só pela maneira como foi escrita a obra, durante 60 anos, acompanhando e exprimindo todas as mudanças estilísticas e filosóficas dessa longa vida literária” (pág. 6 e 7). Com efeito, Fausto é a Divina Comédia dos tempos modernos. Goethe é o Dante Aligheri moderno. Assim como o grande florentino, o poeta alemão dispunha do saber enciclopédico da sua época, resumindo poeticamente todos os sentimentos e pensamentos do homem moderno – Dante, o herói invisível da Divina Comédia, resumira todos os sentimentos e pensamentos do homem medieval. Os alemães costumam ler o Fausto folheando comentários eruditos que lhes explicam as alusões científicas, citações disfarçadas, sentidos ocultos – e quanto mais comentários, tanto mais se estabelece a convicção geral: Fausto é uma obra muito difícil.'
Felipe dos Santos Matias
Graduando em Letras
Universidade Federal de Viçosa
lippem@yahoo.com
19.7.08
Kulturfest, Fausto em Salvador




Depois de Salvador, o Kulturfest Itinerante segue para Fortaleza, a partir do dia 23 de julho./